‘Bem, chega de chatices. Se na Ucrânia até com neve saía,
não é a chuva que me vai impedir de sair. Chega.’, pensou Irina. O seu marido
dormitava, tinha sido uma noite regada a vodka. Tudo para esquecer o que ficara
para trás. Pegou nas chaves do carro e saiu.
Ao chegar ao hipermercado, viu que havia poucos lugares.
‘Estes portugueses, só nos dias de chuva é que se lembram de ir ao híper.’.
Deixou o automóvel estacionado mais atrás e quase que correu até lá. Quase.
Pois os saltos não lhe permitiam correr muito. Chegada lá, viu uma compatriota.
- Olá, como estás? – Perguntou Irina.
- Estou bem, obrigada. – Respondeu a amiga.
Tiveram uma conversa banal. Falaram sobre a vida decorrente
e os problemas do seu país. Despediram-se e foram cada uma à sua vida. Irian
tinha vontade de fazer Pyrih. Era delicioso. Foi comprar os vários ingredientes
dessa receita. Precisava de algo que fizesse lembrar como a sua terra era
deliciosa.
Acabadas as compras, e já depois de pagar, foi para o
carro. O parque de estacionamento estava quase cheio, mas ainda se lembrava
onde estava o automóvel.
Chegada a casa, o marido já tinha acordado.
- Onde estiveste?
- Estive a comprar comida, para casa. Olha, comprei-te mais
uma garrafa de vodka, para bebermos um pouco. Não encontro uma loja da nossa
terra, desde que a outra fechou e voltou para a nossa amada Ucrânia.
- Menos mal. Vou só tomar um banho e volto já.
- Ok.
Irina foi arrumar as coisas e preparar-se para fazer o
jantar.
Após o jantar, guardou o que restava. Se estivesse na
Ucrânia, nada sobraria, pois, os seus dois filhos ajudavam a comer. No entanto,
ainda não tivera hipótese de os trazer para Portugal. Irina chorava às
escondidas, porque tinha imensa saudades deles. Mas com o despedimento do
marido e o salário baixo que auferia nas limpezas, não dava para os trazer. Já
pensara em tirar a equivalência para o curso que administrava na Ucrânia, mas
sempre lhe faltava o dinheiro. Era cientista e varria casas. Que grande
descida, pensava ela. No entanto, não lhe faltava animo. Ou não bebesse também
um pouco de vodka com o marido. Que falta lhe fazia a Horilka.
O fim de semana passou e Irina foi trabalhar para a casa de
uns senhores importantes. Não sabia o que faziam exatamente, mas também não lhe
interessada. Bastava receber ao fim do mês que já ficava agradecida. Mandava um
pouco do ordenado para os filhos, aguentando com algum sacrifício os dias que
passavam.
Sentia-se culpada. Culpada de não ter os filhos consigo, de
sustentar um homem que, desde que fora despedido, não saíra mais de casa e
bebia desalmamente. Às vezes pensava em voltar. Mas sabia que lá a vida era
mais difícil do que em Portugal.
Por enquanto permanecia em Portugal, depois logo se veria…
Irina arrumava as coisas de casa. Decidira partir. E o
marido ia com ela, pois parecia reticente em arranjar trabalho. Nada que não se
resolvesse na terra mãe. Já tinha contatado a família e eles garantiram-lhe
trabalho numa fabrica. Ganhavam menos em Portugal, mas, pelo menos, não estavam
isolados. Tinham a família por perto, e os filhos. Que saudade extrema dos
filhos.
O pouco que restava da indeminização de Irina, era para as
despesas da viagem. Ainda sobraria algum, para a alimentação. Iriam para casa
dos seus pais, pois a construção da sua casa tinha ficado embargada por falta
de pagamento. Maldita a hora em que reduziram pessoal naquela fábrica. Mas,
ironia do destino, abriram-na na sua terra natal, Odessa. Chovia
torrencialmente. ‘Neste país ora chove demais, ora aquece demais. Não há meio
termo. Que saudade de nossa terra, da neve.’, pensou Irina. Iam em abril, já
não deviam ver a neve. Mas, mesmo assim, sempre era mais suportável o tempo
nessa altura lá.
O marido, Mikhail, ajudou no final. Parecia que até ele
estava farto de ali estar. Achara-o estranho, mudo, mas, agora, parecia que o
ar da mudança o rejuvenescera. Até nem bebera vodka nem a chateara por não a
haver em casa. Saudades de casa…
A viagem fora longa, passaram por diversos países. Ao
chegarem à Hungria, decidiram descansar mais um pouco. O frio já se fazia
sentir aí. Como era agradável. Em breve estariam em casa. Decidiram comprar
algo para comer, já estavam fartos das sandes de posto de combustível. E eram
caras, ainda por cima. Ali não, comia-se à vontade.
Passado a Hungria, chegaram à sua amada Ucrânia. Como lhes
parecia diferente. Agora, era só descer até Odessa.
Como queriam chegar rápido, revezaram-se. Umas horas ia
Mikhail ao volante, enquanto Irina dormia. Noutras, ia Irina a conduzir. Chegam
lá num dia e meio. Cansados, mas conseguiram. Sem paragens, quase. Como era bom
estar de volta. Irina chegou à pequena casa que estava no final da rua e pôs-se
a gritar para a casa.
- Cristian, Marius! Cheguei! Chegamos!
Logo se ouviu um grande alvoroço vindo da casa.
- Mama! Papa! – Gritaram eles, entusiasmados.
Como era bom ouvir as suas vozes. Tinham mudado, crescido
desde as ultimas férias.
A vida não lhes era tão difícil assim, como imaginaram.
Conseguiram trabalho rápido, numa fabrica das redondezas. É certo que ganhavam
bem menos que em Portugal. Mas estavam na sua terra natal. Irina sentia culpa
de ter deixado os filhos para trás, mas agora estava tudo bem.
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