terça-feira, janeiro 16, 2018

A viagem

Estava a chover. Irina olhava para a rua. ‘Esta chuva nunca mais passa!’, pensou. Irina tinha de ir às compras, mas não lhe apetecia com aquele tempo. Não é que estivesse frio. Mas a chuva desagradava-lhe. Fazia-lhe lembrar da sua terra, dos outonos frios e gelados da sua Ucrânia. Fugira de lá antes da guerra estalar. Ainda tinha família lá. Estes dias chuvosos também lhe faziam lembrar da sua família. Que raiva à Rússia. Porquê destruíram o sonho idílico da Ucrânia? Família sua havia ficado para trás, na Crimeia. Parecia que as guerras aí se manifestavam de século para século.

‘Bem, chega de chatices. Se na Ucrânia até com neve saía, não é a chuva que me vai impedir de sair. Chega.’, pensou Irina. O seu marido dormitava, tinha sido uma noite regada a vodka. Tudo para esquecer o que ficara para trás. Pegou nas chaves do carro e saiu.

Ao chegar ao hipermercado, viu que havia poucos lugares. ‘Estes portugueses, só nos dias de chuva é que se lembram de ir ao híper.’. Deixou o automóvel estacionado mais atrás e quase que correu até lá. Quase. Pois os saltos não lhe permitiam correr muito. Chegada lá, viu uma compatriota.

- Olá, como estás? – Perguntou Irina.

- Estou bem, obrigada. – Respondeu a amiga.

Tiveram uma conversa banal. Falaram sobre a vida decorrente e os problemas do seu país. Despediram-se e foram cada uma à sua vida. Irian tinha vontade de fazer Pyrih. Era delicioso. Foi comprar os vários ingredientes dessa receita. Precisava de algo que fizesse lembrar como a sua terra era deliciosa.

Acabadas as compras, e já depois de pagar, foi para o carro. O parque de estacionamento estava quase cheio, mas ainda se lembrava onde estava o automóvel.

Chegada a casa, o marido já tinha acordado.

- Onde estiveste?

- Estive a comprar comida, para casa. Olha, comprei-te mais uma garrafa de vodka, para bebermos um pouco. Não encontro uma loja da nossa terra, desde que a outra fechou e voltou para a nossa amada Ucrânia.

- Menos mal. Vou só tomar um banho e volto já.

- Ok.

Irina foi arrumar as coisas e preparar-se para fazer o jantar.

Após o jantar, guardou o que restava. Se estivesse na Ucrânia, nada sobraria, pois, os seus dois filhos ajudavam a comer. No entanto, ainda não tivera hipótese de os trazer para Portugal. Irina chorava às escondidas, porque tinha imensa saudades deles. Mas com o despedimento do marido e o salário baixo que auferia nas limpezas, não dava para os trazer. Já pensara em tirar a equivalência para o curso que administrava na Ucrânia, mas sempre lhe faltava o dinheiro. Era cientista e varria casas. Que grande descida, pensava ela. No entanto, não lhe faltava animo. Ou não bebesse também um pouco de vodka com o marido. Que falta lhe fazia a Horilka.

O fim de semana passou e Irina foi trabalhar para a casa de uns senhores importantes. Não sabia o que faziam exatamente, mas também não lhe interessada. Bastava receber ao fim do mês que já ficava agradecida. Mandava um pouco do ordenado para os filhos, aguentando com algum sacrifício os dias que passavam.

Sentia-se culpada. Culpada de não ter os filhos consigo, de sustentar um homem que, desde que fora despedido, não saíra mais de casa e bebia desalmamente. Às vezes pensava em voltar. Mas sabia que lá a vida era mais difícil do que em Portugal.

Por enquanto permanecia em Portugal, depois logo se veria…



Irina arrumava as coisas de casa. Decidira partir. E o marido ia com ela, pois parecia reticente em arranjar trabalho. Nada que não se resolvesse na terra mãe. Já tinha contatado a família e eles garantiram-lhe trabalho numa fabrica. Ganhavam menos em Portugal, mas, pelo menos, não estavam isolados. Tinham a família por perto, e os filhos. Que saudade extrema dos filhos.

O pouco que restava da indeminização de Irina, era para as despesas da viagem. Ainda sobraria algum, para a alimentação. Iriam para casa dos seus pais, pois a construção da sua casa tinha ficado embargada por falta de pagamento. Maldita a hora em que reduziram pessoal naquela fábrica. Mas, ironia do destino, abriram-na na sua terra natal, Odessa. Chovia torrencialmente. ‘Neste país ora chove demais, ora aquece demais. Não há meio termo. Que saudade de nossa terra, da neve.’, pensou Irina. Iam em abril, já não deviam ver a neve. Mas, mesmo assim, sempre era mais suportável o tempo nessa altura lá.

O marido, Mikhail, ajudou no final. Parecia que até ele estava farto de ali estar. Achara-o estranho, mudo, mas, agora, parecia que o ar da mudança o rejuvenescera. Até nem bebera vodka nem a chateara por não a haver em casa. Saudades de casa…



A viagem fora longa, passaram por diversos países. Ao chegarem à Hungria, decidiram descansar mais um pouco. O frio já se fazia sentir aí. Como era agradável. Em breve estariam em casa. Decidiram comprar algo para comer, já estavam fartos das sandes de posto de combustível. E eram caras, ainda por cima. Ali não, comia-se à vontade.

Passado a Hungria, chegaram à sua amada Ucrânia. Como lhes parecia diferente. Agora, era só descer até Odessa.

Como queriam chegar rápido, revezaram-se. Umas horas ia Mikhail ao volante, enquanto Irina dormia. Noutras, ia Irina a conduzir. Chegam lá num dia e meio. Cansados, mas conseguiram. Sem paragens, quase. Como era bom estar de volta. Irina chegou à pequena casa que estava no final da rua e pôs-se a gritar para a casa.

- Cristian, Marius! Cheguei! Chegamos!

Logo se ouviu um grande alvoroço vindo da casa.

- Mama! Papa! – Gritaram eles, entusiasmados.

Como era bom ouvir as suas vozes. Tinham mudado, crescido desde as ultimas férias.

A vida não lhes era tão difícil assim, como imaginaram. Conseguiram trabalho rápido, numa fabrica das redondezas. É certo que ganhavam bem menos que em Portugal. Mas estavam na sua terra natal. Irina sentia culpa de ter deixado os filhos para trás, mas agora estava tudo bem.

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