Ntinhina era uma menina crioula de Guiné-Bissau. A sua mãe
trabalhava no campo e a vender o fruto da sua horta durante horas. Mesmo assim
não tinha o suficiente para ela e para os irmãos, tendo que mendigar. Ntinhina
sabia da lei nova de prender os meninos que fossem apanhados a mendigar. Mas
Ntinhina não tinha hipótese; era a sobrevivência dos seus irmãos que estava em
causa. O seu pai havia partido para Portugal em busca de vida melhor para
todos. Mas nunca mais tinha voltado ou mandado algo. A mãe tinha esperança que
ele apenas se estivesse a estabilizar, mas Ntinhina sabia que ele os tinha
abandonado. Não o queria dizer à mãe, simplesmente sabia-o.
Sentou-se na beira
de uma esquina e começou a pedir. Naquela rua movimentada só poucos davam
esmola. A maior parte eram pobres, como ela. E os poucos ricos que passavam, ou
assim pareciam, nada lhe davam. Pelo contrário, fingiam que não a viam. Alguns
dos mais humildes davam-lhe uns trocos. Era pouco, mas ajudava. Ntinhina
agradecia sempre. 'Deve-se agradecer a generosidade, sempre.', dizia a mãe.
Ntinhina obedecia.
Ntinhina estava
distraída, nem deu por eles chegarem. Estavam dois polícias a aproximar-se
dela. Quando se apercebeu, pegou nos trocos e levantou-se. Mas já era tarde.
Eles já estavam ao pé dela.
- Que estás a fazer, rapariga? Que fazes?
- Sim, que fazes? A pedir esmola? - Disse o outro polícia.
Ntinhina estava com
medo. Os polícias levaram-na para uma carrinha onde estavam mais crianças.
- Ntinhina, que fazes
aqui? - Perguntou Busnassum, um amigo.
- Fui apanhada... -
respondeu Ntinhina.
- Também eu...
Ntinhina e Busnassum
tremiam de medo. Não sabiam para onde iam. Só queriam voltar para as suas mães.
- Todos prontos. - Disse o polícia que tinha apanhado Ntinhina.
- Podem ir.
'Ir!? Ir para
onde?', pensou Ntinhina. Ela não queria ir para as ilhas. Como poderia escapar?
Quando deu por si,
estava a chegar ao porto. Estavam balsas à espera no porto. Ou assim pareciam.
Saíram da carrinha, à ordem do polícia, e entraram dentro das diferentes
balsas. Foi assim que Ntinhina e Busnassum se viram pela última vez. Ntinhina
foi para a ilha de Bolama. Chegou lá, abandonaram-na de imediato, a ela e a
mais duas crianças. Ela era a mais velha. Sozinhos, num sítio desconhecido.
Ninguém se aproximou deles. Ninguém perguntou nada. Ntinhina ordenou aos dois
rapazes que a seguissem, enquanto se orientava. Tinham fome e nada para comer.
Nem lhe tinham deixado os trocos. Tinham-nos roubado. Ntinhina não entendia a
língua que falavam. Não entendia nada. Mal sabia o que aconteceria.
Abandonados, já estava a ficar tarde. Ntinhina tentava encontrar um sítio para
dormirem, já que ninguém se parecia importar com eles. Encontrou um sítio perto
da floresta. Deitaram e adormeceram de imediato, de tão cansados que estavam.
Ntinhina apanhou algumas folhas de palma do chão e organizou-as, para fazer de
cama. Acordou os meninos e deitou-os sobre as folhas, tal como fazia com seus
irmãos. Eles eram a sua família, agora.
O dia veio e a fome e sede com ele. Os habitantes pareciam
não ligar, mas uma mulher, com pena deles, chamou-os com gestos. Eles correram
até ela.
- Água, água! - Pediram eles.
A mulher pareceu
entender eles e deu-lhes água. Pareciam que nunca tinham bebido nada melhor.
Depois, deu-lhes alguns bivalves e cabeças de peixes. Ntinhina e os dois
rapazes comeram tudo, derivado da fome que sentiam.
Dias passaram,
semanas até. Nada mudou naquela forma de viver. Cada vez apareciam mais
crianças, a ilha parecia demasiado pequena para eles. Deixou de haver
generosidade. Todos tinham de trabalhar por um pedaço de peixe em todo o dia.
As brigas eram frequentes. Os roubos, o pão de cada dia.
Até que um dia não
trouxeram mais ninguém. E no outro. E outro dia igual. Ntinhina perguntou a uma
pessoa da ilha que se passava.
O governo caiu. Vão
vos levar para vossa terra.
Ntinhina agradeceu a
informação. Mais que agradecida, estava extasiada. Finalmente ia voltar para
Bissau. Ia ver seus irmãos, sua mãe. Tudo tinha um fim. Aquele era o seu…
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