Também tinha uma falta enorme de amor próprio. Não que ela o notasse. As amigas avisavam-lhe, mas ela não ligava. ‘Falta de amor, têm vocês.’, dizia Fernanda. Adorava perucas de cores exuberantes. Laranja, rosa… Era aconselhada a mudar de peruca, as amigas preocupavam-se, avisavam-lhe para arranjar uma de cor mais natural. Mas Fernanda não queria saber. Adorava estar com uma peruca diferente todos os dias. Dizia que assim confundia os homens. A verdade é que, não sabia ela, eles fingiam simplesmente nem a ver. Sempre nas noitadas, bêbada, não se apercebia do desprezo que os homens com quem dormia lhe dirigiam após o ato. Tinham vergonha de se deitar com ela. Mas era tão fácil conquistá-la… Estavam a precisar de ‘despejá-los’.
Um dia, saiu a noite. As amigas mal lhe falavam e ela não sabia porquê.
- Que se passa? – Perguntou Fernanda.
- Então não sabes? O boi que comeste a semana passada tem HIV. Um amigo dele veio aqui nos contar porque sabe que tinhas dormido com ele sem proteção e que és (ou eras) nossa amiga. Tanto que te avisamos… - Respondeu Mafalda.
- Não pode ser… - Disse Fernanda, escandalizada. – Eu sinto-me tão bem.
- E que tal ires fazer um teste? Era o melhor, não? Esquece a noite, estás marcada. Toda a gente sabe quem és e o que fizeste.
Fernanda olhou em volta. Reparou que era verdade. Envergonhada, saiu da festa. Foi para casa, a chorar. Não de tristeza, mas de raiva. Como é que a vida lhe podia fazer isso? Era só uma foda, não era suposto ter corrido mal. E agora, o que fazer?
Fernanda passou a noite sem dormir. Atormentada, levantou-se e foi se arranjar. Queria ligar a uma amiga, em busca de apoio, mas não valia a pena. Além de estarem de ressaca, deviam estar zangadas com Fernanda, por nunca lhes dar ouvidos. Agora estava por sua conta e risco. Tinha de ir ao hospital.
Chegada lá, esperou. Esperou quase uma hora para ser atendida.
Explicou ao médico o que se passou. O médico, muito compreensivo, explicou-lhe que só ao fim de seis meses é que poderia haver certezas. Mas marcou-lhe exames na mesma. Fernanda, mais calma, agradeceu e foi para casa. Não lhe apetecia ir trabalhar, sentia-se deprimida. Acabou por telefonar para o trabalho, para avisar porquê não iria. A resposta do outro lado surpreendeu-a. Já sabiam de tudo e estavam a preparar-se para despedir Fernanda. Ela perguntou ‘Porquê?’. A resposta foi ‘Porque não podemos aceitar gente leprosa que possa pegar uma doença altamente contagiosa a qualquer um. Temos pena, mas é assim a vida.’
Desolada, desligou. Não ia nem ver das suas coisas ao trabalho. Que as queimassem se lhes apetecesse. Por ela estava tudo esclarecido. Fernanda. Sentiu-se em baixo. Apetecia-lhe sair. Mas, em cada canto que olhava, tinha a impressão que lhe apontavam o dedo. Não saiu. Deixou-se ficar, deitada…
Acordou já passava da meia noite. Não, não podia ficar assim, deitada. Tinha de acordar para a vida. Foi arranjar-se rapidamente. Tinha comprado outra peruca, entretanto. Cabelo azul. Ia levar essa, que nunca tinha usado antes. De certeza que não a reconheceriam. Nem avisou as amigas, elas que se lixassem mais os seus preconceitos.
Saiu. Como era de noite mal dava para ver quem é quem, se bem que Fernanda dava nas vistas. Toda a gente se desviava dela. Fernanda achava que era por respeito; o que ela não sabia é que a sua história tinha vazado na internet, sabendo todos exatamente quem era ela e qual a sua história.
Foi a um bar. Muito bem, estava apinhado. Tentou chegar ao balcão. Quando chegou lá, o resto do pessoal deixou-a sozinha. Ninguém se aproximava dela. ‘Tudo bem’, pensou. ‘Assim ninguém me chateia. Eu já engato algum’. Mal ela sabia. Tal como na rua, ali já toda a gente sabia quem era ela. Menos um homem. Ele aproximou-se do bar com a intenção de a conhecer. Falaram durante horas, deram-se bem. Até que ela pediu para ir à casa de banho. Tinha de arranjar a pintura. Nesse momento outras pessoas aproximaram-se do homem. Falaram que ele estava a cometer um erro, mostram-lhe a postagem feita na internet por uma das ‘amigas’. Ele ficou em choque.
- Então eu ia foder uma sidosa? Livrem-me já dessa. Eu vou-me embora.
E foi-se. Fernanda ainda saiu a tempo da casa de banho, a ver ele ir-se embora, enquanto um grupo de pessoas que estava no bar se afastou. ‘Mas o que é que se passa?’, pensou. Aproximou-se de um gajo que ia a sair.
- Olha, o que é que se passa, oh tu?
- Larga-me o braço, sidosa. – Respondeu ele.
- O que é que disseste?...
- Então, não sabes de nada do que se passa?... Sabes, da postagem da internet.
- Que postagem? – Gritou Fernanda, visivelmente irritada.
O homem mostrou-lhe. Uma das suas melhores amigas tinha-a denunciado. Fernanda sentiu-se mal, enjoada. Saiu dali numa rapidez que só vista.
Chegada a casa, trancou-se. Desatou a chorar. Como é que uma das suas amigas lhe podia ter feito isso?
Os dias passaram, semanas, meses… Não voltou a sair à noite. Ia ao médico todos os meses, à espera de uma resposta esperançosa. Até que passaram seis meses. Finalmente ia ter uma resposta concreta. Fez analises. Estava em depressão, afastada de tudo e de todos. Não tinha trabalho, vivia para a lida da casa.
Até que veio os resultados. Negativo. Não tinha nada. Estava feliz da vida. Abraçou o médico e saiu. Queria comemorar. Mas com quem? Já sabia, ia interpor um processo por difamação contra a sua ‘amiga’. Algo de bom ia sair dali. E ela agora só queria ser feliz…
Sem comentários:
Enviar um comentário