Vida depois da morte
Ela estava farta. Embebedara-se para nada. Entre lágrimas,
ia guiando o carro. Sabia que estava bêbada demais, mas não tinha como deixar o
carro para trás. Afinal, tinha apanhado o namorado, agora ex, a trai-la.
Joana, assim era o nome dela, não se deu conta da curva da
estrada. Encandeada por um carro que vinha de frente, foi contra uma ribanceira
abaixo. O condutor do outro carro, alarmado pelo o que tinha acabado de
presenciar, saiu do automóvel e atirou-se à água, para salvar Joana. Com alguma
dificuldade, conseguiu chegar até Joana. Libertou-a do cinto, abriu a porta do
carro e levou-a, inconsciente, para terra. Não foi muito fácil, apesar de estar
numa noite primaveril.
Em terra, fez-lhe respiração boca a boca, até ela despertar.
- Está bem? – Perguntou Leonel.
Joana estava a tossir, vomitando água.
- Sim… Cof, cof…. Sim, estou bem.
- Eu vi-a… A cair. Mas está mesmo bem?
- Sim, estou bem melhor agora. Obrigada.
- Ora essa, qualquer um faria o mesmo. Desculpe lá aquilo
das luzes, pensei que não vinha ninguém.
- Não, não era qualquer um que faria isso. E não ligue, eu
vinha a chorar. Foi por essa razão que caí.
- Vamos, venha para o meu carro. – Disse Leonel. – Já
agora, porque vinha a chorar?
- Assuntos pessoais… Onde está o seu carro?
- Siga-me.
Joana seguiu-o. Ao chegarem, vendo que Joana tinha frio,
tirou o casaco do banco de trás e ofereceu-o a Joana.
- Obrigada, mais uma vez. – Disse Joana.
- Não precisa de agradecer. Não fiz mais que a minha
obrigação. Onde a posso levar?
- Eu vou para a cidade. Moro ao pé do café ‘Bora Lá.
- A sério? Também moro para esses lados. Eu levo-a lá.
E partiram no automóvel de Leonel.
- Já agora, chamo-me Leonel.
- Joana, prazer.
- Eu sei que são assuntos pessoais, mas… Não me quer mesmo
contar o porquê de vir a chorar?
- Desculpe, mas não. É um assunto intimo.
- Quem a ouvir, pensa que que se quis matar…
- Pare o carro. – Disse Joana. – Pare!
Leonel parou o veículo.
- O que se passa? – Perguntou Leonel.
- Olhe, agradeço-lhe a sua ajuda, mas está a fazer
suposições falsas sobre mim. Tome o seu casaco. Eu vou a pé. – Disse Joana,
saindo do veículo.
Leonel saiu atrás dela.
- Desculpe-me pelo o que lhe disse, mas entre no carro. A
noite está fresca, você está molhada e é perigoso, para uma bela jovem como
você, andar sozinha, aqui, no meio do nada. Por favor, entre. Juro que a levo
onde quiser e não lhe faço mais nenhuma pergunta. – Disse Leonel.
Joana ponderou por um momento, acabando por ceder e entrar
no carro, novamente.
- Tome, vista o casaco. – Disse Leonel.
Leonel cumpriu o que prometeu, durante o resto da viagem
manteve-se em silêncio, levando-a até onde ela quis. Depois de a deixar, ficou
a observá-la enquanto ela desaparecia nas sombras da noite.
Dias passaram e Joana recuperou do desgosto. Não
totalmente, mas estava melhor. Já saía com as amigas, mas evitava os locais
onde o ex pudesse estar. Entretanto, telefonou para a seguradora, para que lhe
fossem buscar o carro. Não que lhe fosse ficar barato. Mas tinha de fazer algo,
não o podia deixar ali. Tinha se esquecido de pedir o contacto do outro
condutor, mas algo lhe dizia que iria vê-lo outra vez…
Nem mais. Passado um dia, encontrou-o, por acaso, no café.
Ou assim pensava ela…
- OI? Olá, Leonel. – Disse Joana.
- Olá, Joana. Então, que fazes por aqui? – Perguntou
Leonel.
- Olha, venho descontrair um pouco. Já agora, que estamos
aqui, preciso do teu contacto…
- Oi?
- … E dos dados da tua seguradora, por causa do acidente.
- Ah. Sim, claro. Mas queres já ou esperas um pouco? É que
o carro está estacionado um pouco longe.
- Eu espero, não te preocupes. Deixa estar, eu confio em
ti. Ao contrário de em certas pessoas.
- Isso é uma boca para mim?
- Não, é para o meu ex. Era por ele que ia a chorar. –
Disse Joana.
- Ah. Posso saber o que se passou, cara linda?
- Nada de mais. Aliás, tudo de mais. Ele traiu-me, eu
apanhei-o enquanto me traía.
- Ui, que mau. Existem homens sem respeito nenhum pelas
mulheres.
- Bem, parece que me compreendes.
- E como não havia de te compreender? – Disse Leonel.
- Tens razão.
Leonel bebeu o resto do seu café.
- Bem, está na hora de me ir embora. Vou buscar os
documentos, mas…. Olha, queres que te leve a algum lado?
- Bem, se não te importares…. Podias me levar até à agencia
imobiliária onde trabalho.
- Mas claro, qual é?
- A Remax.
- É como se já lá estivesses. – Disse Leonel.
Foram os dois até ao carro de Leonel. Depois de tratarem
dos assuntos relativos à seguradora, Leonel, como prometido, levou-a até à
agência imobiliária.
- Fica bem, então. – Disse Leonel.
- Claro, obrigada pela boleia.
Despediram-se e cada um seguiu com a sua vida.
O que Joana não sabia é que, há uns dias que era vigiada
por Leonel. Ele seguira-a até ao prédio onde ela habitava, naquela noite.
Tinha-a seguido tão sorrateiramente que Joana não havia dado por nada. Afinal,
ele também morava perto. Não seria de desconfiar ver o seu carro passar. Mas o
plano não estava finalizado… Leonel queria muito mais que a seguir. Queria
mais, muito mais… E iria consegui-lo, fosse por que meio fosse.
Começaram a encontrar-se, coincidentemente. No mesmo café.
Como calhava aos dois estarem perto dele, não era de estranhar. Mas, agora,
quase sempre Joana chegava primeiro, entrando Leonel de seguida. Ele não
conseguia evitar esse erro de principiante, estava encantado por Joana. Até
que, um dia, Joana foi sincera com ele, ao vê-lo entrar.
- Leonel, anda cá. – Pediu Joana. – Andas a seguir-me?
Leonel sentiu um arrepio na espinha.
- Eu? Estás doida? Este café fica mesmo ao lado da minha
casa, acontece por coincidência encontrarmo-nos.
- Sim, mas… Sempre à mesma hora?
- Olha, não tenho tempo para isto, tenho de ir trabalhar.
Adeus. – Disse Leonel, saindo.
Joana ficou parva. Mas sabia que tinha razão. Não estava
louca, ele seguia-a mesmo. E o facto de ele ter fugido à conversa confirmava-o.
Mas agora não tinha tempo para pensar nisso, tinha de se apressar para ir para
o trabalho, ainda tinha um autocarro para apanhar.
Entretanto, o seu carro já estava na oficina. O mecânico
não lhe dera grande esperança, mas ia ver o que se podia fazer. Graças a Deus
que a seguradora de Leonel se prontificara a pagar o arranjo, se o houvesse. O
lado mau era que ainda teria de conviver um pouco com Leonel…
Os dias passaram, semanas, e nem sinal de Leonel. Apenas a
seguradora dele tinha ligado. Queriam saber se era verdade que Joana se tinha
distraído por estar a chorar, e não por estar encandeada pelo carro de Leonel.
Joana mentiu, claro. E, afinal, não havia testemunhas que a pudessem
contradizer. A seguradora acreditou. Disseram-lhe que era apenas uma
verificação, pois Leonel lhes havia contado isso. Joana enervou-se. Então ele
era assim? Tudo bem, estava na sua justiça. Mas sabia que, também, tinha os
máximos ligados, que havia ajudado na sua queda. Fosse como fosse, era culpado.
E, pelo o que tinha percebido, ele estava disposto a ir a tribunal. Mas a
seguradora ia lhe cortar as asas. Ou aceitava-se como culpado, ou a seguradora
terminaria o contrato com ele, após o pagamento a Joana. Leonel haveria de se
conformar.
Saiu tarde do emprego. E ainda tinha compras a fazer. ‘Que
raios’, pensou. Ficaria para outro dia. Por ora, teria de ir a pé para casa. A
essa hora já não partiam autocarros para onde ela morava. Mais uma vez, estava
a ser seguida. Mas Joana apercebeu-se. E, ao fazê-lo, começou a andar mais
rápido para casa. Mas Leonel também se apressou. Rapidamente, parecia que os
dois eram os únicos na rua. Joana, quando chegou, finalmente, olhou par trás.
Ele estava quase a alcança-la. Mas Joana conseguiu entrar e fechar a porta
atrás de si. Quando o fez, descontraiu-se. Mas foi só um momento. O momento
durante o qual Leonel tocou a outra campainha e pediu a um vizinho para lhe
abrir a porta, que se tinha esquecido da chave. Joana começou a subir as escadas,
apressadamente. Não demorou muito até ser apanhada por Leonel.
- Onde pensas que vais? Shiu, não grites… Silêncio…
Joana contorcia-se, mas não se conseguia libertar de
Leonel. Quanto mais tentava, mais se magoava. Leonel levou-a até sua casa.
Joana ficou admirada por ele saber qual era.
- Sabes, já aqui tinha vindo. Usei o mesmo truque para
entrar. Antes, foi só ver as campainhas para ver qual o andar e a letra que te
estava associado. Entretanto subi e verifiquei a porta que te pertencia.
- És um louco, um desvairado…
- Cala-te! Dá-me a chave. Vá, dá-ma!
Joana entregou-lhe a chave.
- Vamos entrar… - Disse Leonel, com ela sempre presa.
Lá chegado, trancou a porta, guardou a chave e foi até à
cozinha, onde pegou em uma faca grande.
- Agora estás comigo.
- Olha, vai para uma certa parte. Socorro…
Leonel apressou-se até ela, para a calar. Agarrou-a e
colocou a faca ao nível do pescoço dela.
- Se fazes um barulho que seja, um qualquer barulho… Juro
que te mato.
- Está bem, está bem, eu calo-me. Que queres de mim?
Perguntou Joana, tremendo de medo.
- Quero muito de ti. Porque não me dizes onde é o teu
quarto?
Nesse momento, alguém tocou à campainha.
- Vizinha, está bem?
Leonel abriu a porta.
- Olá, como está? Estava a discutir com a minha namorada,
só isso… - Disse Leonel, escondendo a faca.
Joana assentiu, tendo sido avisava que, se soltasse um pio
que fosse, morreria.
- Mas eu não conheço o senhor…. É outro? – Perguntou o
vizinho.
- Sim, é recente. Agora se não se importa…
- Claro. – Disse vizinho, falando depois da porta se
fechar. - Grandessíssima puta. Acabou com um já anda com outro…
Leonel riu-se, ao ouvir aquilo.
- Parece que os teus vizinhos aprovam. Bem, vamos a
assuntos mais sérios. O quarto, onde é?
- Segue-me. – Disse Joana.
Ela já estava conformada. Nada de bom viria dali, mas não
tinha forma de o combater. Chegada ao quarto, ele agarrou-lhe no cabelo com
força e empurrou-a para a cama.
- Não te mexas…
Colocou-se em cima dela, rasgando as suas roupas com a
faca. Imóvel, ela apenas podia sentir as roupas a serem-lhe retiradas, sem se
mexer. Estava com muito medo.
Violou-a, uma e outra vez, enquanto a acariciava com a faca.
Joana queria gritar, mas não podia. Num sussurro, implorou.
- Para – Disse Joana; ao que ele se riu.
- Hahaha. Achas que esse pedido inútil me fará desistir?
Não, Joana, apenas me dá mais ganas. – Disse Leonel, enquanto se vinha dentro
dela.
Quando se sentiu, finalmente, satisfeito, levantou-se.
Joana estava desfeita.
- Agora sim, acabou. Deste-me prazer, miúda. Tenho pena que
isto acabe aqui.
Joana levantou-se, tentando se cobrir com os braços.
- Que queres dizer, acabar? – Perguntou ela.
- Vou ter de matar… - Disse Leonel.
- Não, não faças isso… - Implorou Joana. – Eu juro, eu não
vou revelar a ninguém o que aconteceu.
- E o que me vai dar garantias disso?
Joana permaneceu em silêncio.
Leonel foi até ela, com a faca pronta para atacar. Joana
fugiu como pode, lutou. Até que, sentido uma força dentro de si, atacou-o
conseguiu dominá-lo e atingi-lo com a faca. Leonel estava morto.
E agora, como esconderia o corpo? Não tinha coragem de
chamar a polícia, havia fatores que a podiam levar a uma condenação. Decidiu
arrasta-lo para a banheira, enquanto pensava no assunto. Telefonou a uma amiga
e pediu que fosse, imediatamente a sua casa. Vestiu uma roupa, não se podendo
lavar, pois o corpo estava na casa de banho.
A amiga não demorou muito a chegar. Assim que ouviu a
campainha, Joana correu a abrir a porta.
- Joana, o que se passa? Porque estás assim? – Perguntou
Alice, a amiga.
- Entra rápido. – Disse Joana.
Alice entrou.
- Agora diz, que tens? Choraste? – Perguntou Alice.
- Bem… Matei um homem.
- Tu o quê?
- Ele violou-me, ia-me matar. Ele seguia-me, forçou…
- Calma, vamos lá com calma. Conta-me desde o início.
Joana contou. Enquanto ia falando, levou-a ao quarto e
terminou na casa de banho.
- Bem, que história que me contas. – Disse Alice. – Para
que queres a minha ajuda? Porque não chamaste a polícia?
- Eu matei-o, percebes? Não importa o que aconteceu antes,
não importa que tenha sido em autodefesa. Eles vão prender-me, a minha vida vai
ficar destruída. Eu não posso deixar que isso aconteça. Tens de me ajudar.
- Sim, e que queres que eu faça? Que chame o meu irmão, que
já esteve na cadeia…? Espera, é isso que tu queres?
- Eu preciso de ajuda.
- E logo o meu irmão?
- Não tenho mais ninguém a quem pedir…
Alice respirou fundo, duas vezes.
- Bem, eu não te posso deixar assim. – Disse Alice,
pensando. – Eu vou-te ajudar, vou chamar o meu irmão. Com sorte, ele está a
divertir-se na noite. Não sabe fazer outra coisa desde que saiu da prisão.
- Obrigada, amiga. – Disse Joana.
Em menos de nada, o irmão de Alice estava lá. Vinha
acompanhado. E bêbado.
- Então, o que se passa? – Perguntou Jorge, o irmão de
Alice.
Desta vez, foi Alice quem explicou. Joana estava sentada no
sofá, chorando a cada palavra de Alice (como se revivesse os momentos que havia
passado).
- E é assim. – Concluiu Alice.
- Tu estás bem? – Perguntou Jorge a Joana.
- O que é que te parece? – Respondeu Alice, por sua vez.
- O que querem que façamos? – Perguntou Paulo, o amigo de
Jorge.
- Precisamos de esconder o corpo, de alguma forma, sem dar
nas vistas. – Disse Alice.
- Vai buscar a serra elétrica a casa, agora. – Pediu Jorge,
à irmã.
- É muito tarde, o barulho ia acordar os vizinhos. –
Respondeu Alice.
- Muito bem, mas não saio daqui. Amanhã vai trabalhar como
se nada fosse. Eu vou ficar cá a tratar do assunto. Tenta dormir algo. – Disse
Jorge.
- Eu também fico. – Disse Paulo.
- Anda, vamos mudar a cama. Eu durmo contigo, Joana. Disse
Alice.
Retiraram o corpo da banheira e puseram-no no chão, coberto
por sacos de plástico, para que Joana pudesse tomar banho sem se sentir
observada.
No dia seguinte, tal como combinado, Joana foi trabalhar.
Alice foi a casa dos pais buscar a serra elétrica, depois de telefonar para o
trabalho a dizer que estava constipada. Jorge e Paulo prepararam o corpo.
Joana pensou em ligar a Alice, a perguntar como estavam as
coisas, mas achou melhor não.
Acabou o dia normalmente e, não aguentando mais, correu para
casa. Ia tocar à campainha, mas lembrou-se que essa era a sua casa, pelo o que
não havia necessidade.
- Alice? – Chamou Joana, assim que entrou em casa.
Joana, nem imaginas o que se passou. Veio um vizinho
perguntar o que se estava a passar, que era aquele barulho todo. Tive de lhe
dizer que estávamos a renovar a casa de banho.
- Fizeste bem. E eles?
- Estão a descansar no quarto de hospedes. Têm de esperar
pela noite para levarem os pedaços do corpo. Já tomaram banho e mudaram de
roupa, que fui buscar. Não te importas, pois não?
- Não, claro que não. Então, está tudo bem?
- Bem, há algo mais que tenho de te contar…
- Diz, o que foi? – Pediu Joana.
- Estive a ver as redes sociais e surgiu, na net, um
anuncio de desaparecimento. Dele. – Disse Alice.
- A sério? Quem postou?
- Ao que parece, a namorada dele. Ainda não fez queixa na
polícia porque não pode. Mas fá-lo-á nas próximas horas…
- Temos de agir rápido.
- Calma, deixa-os dormir. Daqui a nada é noite e aí
poderemos fazer algo.
Assim o fizeram. Quando veio a noite, foram acordar Jorge e
Paulo. Foi uma tarefa árdua. Mas conseguiram, a muito custo.
- Já vamos… - Resmungou Jorge.
Passado um pouco, levantaram-se. Foram lavar a cara para
acordarem e seguiram em frente com o plano. Iam enterrar as várias partes do
corpo em diversos lugares. Alice e Joana ficaram para trás, a limpar
eficientemente a casa.
Não souberam deles por dois dias. Bem, souberam que Jorge
tinha ido para casa dormir de madrugada.
Alice também foi para casa. Só se voltaram a ver passado dois
dias depois, no sábado.
- Tudo bem, como estás? – Perguntou Alice.
- Menos mal. Tenho outro problema, agora. Não andava a
tomar a pílula… - Respondeu Joana.
- Estás louca, e só agora é que o dizes? Porque não fostes
pedir logo a pílula do dia seguinte?
- Não sei, por medo, vergonha, nervos. Que faço agora?
- Agora esperas que te venha o período. Se não vier, fazes
um aborto.
- Não, a criança não tem culpa do que aconteceu.
- Tu não estás bem. Queres deixar nascer o filho de um
violador?
- Ele não tem culpa. Não faço aborto nenhum.
Alice respirou fundo.
- Calma, vamos com calma. Respirar fundo, um, dois.
- Eu não consigo ter esta conversa contigo. – Disse Joana.
- Eu é que não consigo falar contigo. Às vezes, consegues
ser muito ingrata. Depois do que fizemos por ti… - Disse Alice.
- Shiu, cala-te. – Disse Joana.
As duas olharam para a televisão. Alice pegou no comando e
aumentou o som. Era uma peça sobre o desaparecimento de Leonel.
Quando acabou, as duas permaneceram caladas.
- Viste como a namorava chorava? – Disse Joana.
- Viste como eles falaram que ele era suspeito de umas
violações em série? – Respondeu Alice. – Estamos safas, não vês?
- Safas, safas de quê? Matei-o, lembras-te?
Joana começou a chorar.
- E se descobrem o corpo? – Acabou por dizer Joana.
- Se o encontrarem, só encontram partes. E ninguém anda
mesmo a procura-lo, a não ser pelos seus crimes. Descansa, Joana.
- Não sei, não sou capaz. Começo a pensar como tu. E se
estou grávida de um violador?
- Calma, vai tudo correr bem.
Passaram dois meses. O período de Joana não vinha.
Arrasada, decidiu fazer dois testes de gravidez, e telefonou a Alice para a
ajudar. Passado um bocado, Alice encontrou Joana a chorar.
- Que se passa? – Perguntou Alice.
- Deu positivo, os dois. – Respondeu Joana.
- Bem, não há solução: vamos fazer um aborto.
- Não, não vou fazer um aborto, já disse.
- Joana, essa conversa outra vez, não.
- E há mais…
- Que se passa, diz-me.
- Tenho sonhado como Leonel…
- Credo. Que não sejam sonhos molhados.
- Não, claro que não. Ele a vir visitar com um bebé no colo
a dizer: é teu.
- Ah, só isso?
- Há dois meses que tenho esse sonho. Há mais tenho sentido
o cheiro dele pela casa.
- Antes ou depois de morto?
- Antes, claro. Não sejas parva.
- Não estou a ser parva, estou a ser realista.
- Acho que ele me está a assombrar…
- Joana, tu passaste por algo que nunca ninguém devia
passar. É normal que o teu cérebro o reviva, mesmo contra a tua vontade.
- Alice, isto é diferente. Parece quase real.
- Joana, precisas de descansar. Vai dormir que eu espero
por ti na sala.
- Está bem…
Alice ligou novamente a televisão, para se distrair.
Enquanto isso, Joana descansava. Sonhava que um sangrento Leonel ia ter com ela
e lhe dizia: vou viver outra vez. E acordou, gritando.
- Joana, o que se passa? – Disse Alice, sonolenta.
- Ele está a assombrar-me, só pode. – Respondeu Joana.
- Olha, se vais continuar com essa conversa, vou para casa.
Sabes, tenho coisas para fazer. Tchau.
- Não, não vás… - Pediu Joana, inutilmente.
Nesse momento, uma jarra caiu. ‘Mas como é que isto é
possível?’, pensou Joana. A jarra estava bem no centro da mesa…
Os dias passaram e Joana sentiu o cheiro de Leonel com mais
intensidade. Alice lá a convenceu a ir a um médico, por duas razões: pela
gravidez e pela ‘assombração’. Joana foi, acompanhada do irmão de Alice. Ele
deu-se como ‘voluntário’ quando soube da gravidez de Joana.
- Então, miúda, tudo bem?
- Mais ou menos…. – Disse Joana, abrindo a boca de cansaço.
- Tchi, o que para aí vai. É tudo cansaço?
- Claro que é. Nem imaginas o que se tem passado comigo.
- Claro que sei. A Alice já me contou a cena da
assombração. Não acreditas mesmo nisso, pois não?
- Sei lá no que acredito…
- Senhora Joana…? – Chamou a enfermeira.
- Sim, vamos já. – Disse Jorge – Olha, não penses muito
nisso. Vai tudo correr bem.
- Senhora Joana? – Chamou a enfermeira, outra vez.
Os dois seguiram-na.
- Muito boa tarde, senhora Joana. Tudo bem consigo? –
Perguntou o médico.
- Tudo bem, e consigo? – Respondeu Joana.
- Tudo bem, obrigado. Então, conte-me lá o que a trouxe cá?
- Estou grávida. Bem, penso que estou. Quer dizer, fiz dois
testes e deram positivo… O meu período não me vem há dois meses.
- Bom, ponto de situação: está grávida. E suponho que este
jovem que a acompanha seja o pai.
- Sim, sou. Respondeu Jorge.
- Muito bem, vou lhe fazer alguns exames de rotina. Quer
estar presente? – Disse o médico para Jorge.
- Acho que vou lá fora… - Respondeu Jorge. – Tenho de fazer
uma chamada.
Nesse momento, a mesa com os instrumentos do médico caiu.
Jorge ficou atónito. Ninguém tocara na mesa. E se… Não, era uma questão de
equilíbrio.
- Desculpem, vou pedir à enfermeira que venha arrumar isto.
– Disse o médico.
E saiu da sala.
- Tu viste, não viste? – Perguntou Joana.
- Joana, a mesa estava mal equilibrada. Foi só isso, mais
nada.
- Tu vais acabar por acreditar em mim.
Nesse momento, entrou o medico acompanhado de uma
enfermeira.
Os exames correram bem, ela estava realmente grávida, e
estava tudo bem com o bebé. Quando Joana saía da sala, viu que Jorge estava a
discutir com alguém ao telemóvel. Aproximou-se para ver se ouvia a conversa.
- …. Olha, adeus. Fica bem. – Disse Jorge, desligando o
telemóvel. – Ah, estás aí. Como correu?
- Correu bem… Com quem estavas a falar, se puder saber?
- Claro que podes. Era com uma amiga. Bem, mais que uma
amiga. Tive de lhe contar que vou ser pai. Ela não aceitou lá muito bem, queria
que fizesse um aborto. Não gostei e desliguei.
- Uau, que feroz. Mas tu não vais ser pai…
- Vou, sim. Não te vou deixar desamparada.
- Não era preciso tanto…
- Era, sim. Eu vou te ajudar.
- Obrigada.
Jorge levou-a a casa. Entretanto, Joana, apesar do
desaparecimento de Leonel, havia recebido um novo automóvel, oferecido pela
seguradora de Leonel. O seu não tinha arranjo possível. Mas Joana andava poucas
vezes nele, com a sensação que algo de mal pudesse ocorrer.
Entretanto, além do cheiro, Joana começou a sentir-se
observada. Cortinas que se mexiam sozinhas, coisas que caiam sem razão nenhuma…
Até que, já ia no sexto mês de gravidez, levantou-se a meio da noite. Tinha de
ir à casa de banho, outra vez. Quando saiu, viu um cortinado a mexer-se
sozinho.
- Olha, Leonel. Se tens algo para dizer, diz logo. – Disse
Joana, sentindo-se corajosa.
Mas ela não estava preparada para o que vinha a seguir.
Nesse momento, ouviu-se uma voz clara.
- Tu vais sofrer… eu vou nascer outra vez…
E, nesse momento, apareceu à sua frente, atravessando-a.
Joana, completamente assustada, saiu de casa e telefonou a
Jorge, que foi logo ter com ela.
- Que se passa? Que aconteceu?
- É ele. Ele voltou. Ele não me larga.
- Ele quem? – Perguntou Jorge.
E joana contou-lhe o que tinha sucedido. Jorge, ainda
cético, convenceu-a a voltar para casa.
- Tu não entendes, aconteceu mesmo. Olha, o cortinado está
a mexer-se sozinho, outra vez. E a janela está fechada.
- Leonel, aparece, se és capaz. – Disse Jorge.
- Assassino… - Ouviu-se num sussurro.
Nesse momento, Jorge tornou-se crédulo.
- Tens de sair desta casa.
- Agora acreditas?
- Acredito. Vem para a minha casa. Faz uma mala pequena, de
manhã voltamos para buscar mais coisas.
- Ok.
Joana, passado uns dias, mudou-se de armas e bagagens para
casa de Jorge. Ele tinha uma casa, apesar de ainda ir dormir a casa dos seus
pais. Mas não a partir desse momento. A partir daí dedicou-se de corpo e alma a
Joana e à sua gravidez. Ele sempre estivera apaixonado por ela, mas nunca o
confessara. Joana foi cedendo a este amor e apaixonar-se, também.
O bebé nasceu, depois de um resto de gravidez calma. O seu
antigo senhorio alugou a casa, passado um tempo. Mas os novos inquilinos
praticamente fugiram da casa. Aparentemente, os cortinados ainda se mexiam
sozinhos. E ouviam-se sussurros…
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