segunda-feira, julho 16, 2018
Nunca digas nunca…
Abriu a porta e saiu, esvarocida. Não conseguia estar mais naquela sala, naquele ambiente. Tudo parecia esmagá-la. Não, não ia ser uma vítima. O seu chão podia ter desaparecido, mas não a sua vontade de lutar por algo que era seu. Por muito que custasse, ia voltar. Ia voltar ao que havia vivido, iria tornar-se 'melhor', aos olhos do marido...
Subiu as escadas e entrou, sossegada. Naquela sala estava o marido, a mãe dele e o seu pai. Cláudia não tinha ninguém a seu favor. Mesmo assim, entrou e sentou-se, escutando.
- Não vales nada, não sabes fazer nada. É o jantar atrasado, é a roupa por passar, a louça por lavar…
Nesse momento Cláudia agradeceu o facto de os seus dois filhos estarem na escola.
- Sim, o meu filho tem razão. – Disse a sogra de Cláudia. – Você não é mulher, não é nada. Devia estar agradecida por o meu filho estar consigo, mais ninguém lhe pegava.
Nesse momento sentiu o sangue a ferver.
- Chega. Esta é a minha casa, paga com o meu dinheiro e o dos meus pais. Nada aqui é vosso, por isso partam.
Nesse momento o sogro disse alguns impropérios e o marido deu uma chapada a Cláudia.
- Se estás farta, parte. Mas não levas nada, nem os nossos filhos. Esta casa é minha, porra.
Cláudia, sentindo-se ameaçada, foi para o quarto. Não chorou, pois já estava acostumada a sofrer. Mas um sentimento lhe pesava: medo. Medo de perder os seus filhos. Podia perder tudo, mas ficar sem os filhos não. O marido nem lhes ligava, mal dava por eles e pelas suas tarefas. Era Cláudia quem os ajudava nas tarefas escolares, quem fazia tudo por eles. Tinha de sair. Não sabia como, mas tinha de o fazer. Com a ajuda dos pais? O pai era um homem cordial que nunca lhe tinha levantado a mão. A mãe, nervosa e controladora, se a ajudasse era para lhe mandar na vida. O casamento havia sido a sua fuga. Agora, era a sua possível morte. Não podia pedir ajuda a eles. Quem sabe alguma amiga no trabalho a ajudava?
Pensando nisso, limpou as lágrimas. Os seus filhos estavam quase a chegar da escola. Queria estar bem para eles. Também tinha uma réstia de esperança no seu coração, que a levava a sentir-se melhor.
O fim de semana passou sem mais chatices. Domingo à tarde os seus sogros partiram para a terra deles, finalmente. Cláudia sentiu-se melhor, com a saída deles. Sensação que durou pouco tempo. Depois de eles saírem o marido, bêbado, exigiu relações sexuais. Cláudia disse que não, que não sentia vontade.
- Quer tu sintas vontade ou não, vamos fazer. Eu quero e pronto. Está nas obrigações da esposa, nos ritos religiosos. Uma esposa deve obedecer ao marido. – Disse Hélder, o marido.
- Em que anos vives tu, em 1964? – Disse Cláudia.
A resposta de Hélder foi uma chapada bem forte à mulher, em que esta bateu com a cabeça na parede, levando-a quase a desmaiar. Os filhos, assustados, foram ver o que se passavam. Viram a mãe a ser levada em ombros pelo pai para o seu quarto. Lá, Hélder trancou o quarto. Cláudia sentia que estava a assistir à sua própria violação. Não se sentia na sua pessoa, mas como uma observante. Quando ele acabou e se virou para o lado, adormecendo, ela roubou-lhe a chave quarto e, vestida apenas com um robe, foi ver como estavam os seus filhos. Esfomeados, tinham atacado uma caixa de bolachas que Cláudia tinha tentado colocar fora do alcance deles. Quando eles já jantavam, foi se lavar, finalmente. Sentia-se suja por dentro. O seu marido era um monstro, simplesmente isso.
Depois de isso, saiu da casa de banho e correu para ver os seus filhos. Estavam a acabar de jantar. Foi arranjar as suas roupas para dormir e para vestir no dia seguinte. Passou-as a ferro, antes. Deitou-os, deu-lhes um beijo de boas noites e apagou-lhes as luzes. Depois, foi passar mais roupa.
Segunda-feira chegou. Depois de preparar os filhos para a escola e os ver partir no autocarro escolar, foi para o emprego, na fábrica. Lá, desabafou com uma colega, que se dispôs de imediato a ajudá-la. E, tendo uma relação de amizade com o chefe de secção, falou do seu assunto com ele. Também se dispôs a ajudá-la, dizendo que tinha uma casa vazia na cidade que Cláudia podia usar. Cláudia aceitou, de imediato. Combinaram sair mais cedo, sem penalizações para Cláudia e para a colega, para irem buscar algo a casa, para a mudança. O seu marido saía às seis, sendo que tinham duas horas. Pegaram nalgumas roupas suas e das crianças e levaram para a nova casa.
Quase na hora de o marido sair do trabalho e as crianças chegarem, deixaram-na lá. Fariam o resto das mudanças noutro dia.
O marido chegou. Tudo normal, as crianças estavam a divertir-se, ainda, antes de fazerem os trabalhos de casa e depois de lancharem. Parecia não ter visto nada de anormal. Tomou banho, vestiu-se e saiu para o café.
Tudo correu bem. Até às dez, quando o marido, podre de bêbado, chegou a casa, esvarocido. Cláudia, sem entender o motivo do marido do marido estar assim, mandou rapidamente as crianças para a cama. O marido, esse, não dizia coisa com coisa.
- E porque tu… Hip… Não sais daqui… Hip… porque… - Dizia Hélder.
Cláudia, já depois de deitar os filhos e farta da conversa do marido, enfrentou-o.
- Mas que se passa, afinal? – Perguntou Cláudia.
- O que se passa é que és uma puta… Os vizinhos disseram-me que te viram com um homem e uma mulher a mudar coisas… Tu pensas que me abandonas, assim? Que levas os nossos filhos? Não. Só sais daqui morta.
E começou a espancar Cláudia, violentamente. Durou pouco tempo, pois ele, de tão bêbado que estava, se sentou e deixou-se dormir de imediato. Cláudia aproveitou e ligou á colega, que de imediato se pôs lá. Combinaram que o melhor a fazer era chamar a polícia, o que fizeram. Chegaram lá, e perante o estado de Cláudia, acordaram Hélder e levaram-no para a esquadra. Já Cláudia foi para o Hospital, fazer perícias. Os filhos ficaram ao cuidado da colega, que se prontificou a ajudá-la.
Depois de quatro horas no hospital, foi para casa. Já o marido ficou no posto da polícia, pois nem de pé se conseguia manter, quanto mais responder às perguntas que a polícia lhe fazia. Tudo estava bem, os seus filhos dormiam. Só a meio da manhã seguinte ficou a saber que o juiz o tinha mandado ficar na cadeia por dois dias. Tempo suficiente para Cláudia e os filhos se mudarem. Aconselharam-na a pedir ajuda a APAV, mas Cláudia recusou, pois encontrava-se protegida, achava ela.
Ao fim de dois dias, o marido saiu. Encontrou uma casa quase vazia. Cláudia tinha levado até o esquentador, a máquina de lavar, o fogão, pois a casa para onde se tinha mudado não tinha moveis. Hélder, zangado, jurou vingança…. Virou costas e pediu a um vizinho se podia ficar na casa dele. Ele acedeu, mas a esposa não. Recusou e recusou, mesmo sobre ameaça física. Não aguentava o marido, quanto mais o vizinho violento. Sim, toda a gente sabia o que se tinha passado. E todos lhes voltaram costas. Ainda mais zangado, procurou saber para onde a mulher se tinha mudado. Não lhe foi difícil saber. Chegou ao prédio onde ela estava e tocou a todas as campainhas. Todos responderam, zangados. Não se entendia nada. Algum vizinho, ingénuo, abriu a porta para ele entrar. Sem saber a porta exata, pôs-se a bater a todas as portas. Ninguém lhe abriu a porta, a não ser o tal vizinho ingénuo. Prontamente, ajudou-o a descobrir a porta da casa para onde alguém se tinha mudado, recentemente. Hélder agradeceu e, mal ele saiu de vista, arrombou a porta a pontapé. Ninguém estava em casa. Tudo o que encontrou destruiu. Nem se apercebeu nalgumas coisas. Roupas de mulher mais magra na tábua de passar a ferro, um quarto vazio, só com arrumações. Achou estranho, mas estava tão furioso que nem ligou.
Só no final do dia se veio a saber o que se havia passado. Uma estudante da universidade também se havia mudado recentemente. Tinha a casa destruída. Cláudia, essa, só podia estar agradecida por ele se ter enganado. Hélder foi preso, outra vez, e ficou em prisão preventiva. Cláudia ficou uns meses na mesma casa, até que aceitou a ajuda da APAV. Teve de deixar o emprego, mas era o melhor. Com uma excelente carta de recomendação, e com os filhos partiu para outra terra, onde esperava nunca ser encontrada por Hélder.
E tu que lês, conheces, vives ou viveste um pesadelo assim? Se sim, denuncia. Ninguém merece passar por maltratos, não está escrito em lado nenhum que o és obrigada/o.
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