segunda-feira, julho 16, 2018

A vontade de morrer pode ser mais forte


Ele desejava ser livre. Ele viu a ave voando lá fora e desejou poder alcançá-la. Fechado naquela sala por opção da sua família, a vida era algo diferente. Tudo porque os médicos disseram que que ele estava doente. O seu único erro era amar pessoas do mesmo sexo. Enquanto esperava para ser enviado para algum lugar onde cuidavam de pessoas com essa ‘doença’, ele sonhava ser livre. Ele olhou uma ultima vez lá para fora e, depois, para o seu cinto, pendurado no teto. Não havia outra opção…
Não sei que ano era. Podia ser 1600 ou 1957, a mentalidade era a mesma. Tratado como se de um louco se tratasse, Diogo lutava por a sua libertação. Tinha como ídolo Federico Garcia Lorca, o poeta morto pela sua posição politica. Ou seria pela sua sexualidade? Não sabia ao certo. Só sabia que a sua leitura, naquela casa, era proibida. Tinha sido por isso que o havia descoberto. Tinham-no apanhado a ler às escondidas os seus poemas. Só por aí, deduziram que ele fosse gay. Não que ele o tivesse alguma vez demonstrado. Sempre retraído, só a muito custo (e à força de empurrão da família) se aproximava das raparigas. Queria sempre ir jogar com os rapazes. Ainda tinha duvidas quando o prenderam, mas já não. Agora sabia que era homossexual, ou lá como lhe chamavam. Diziam que era um vicio, que começava em criança que era comum em pessoas que tinham sido abusadas em crianças. Mas Diogo nunca tinha sido abusado. Simplesmente era homossexual. Era natural para ele, tal como para os demais era natural serem heterossexuais. No entanto, a sua mãe o deixava confuso. Muito religiosa, rezava muito. Mas, quando distraídas, olhava, sedenta, para os peitos das amigas. E depois rezava, ainda mais. Tinha quase a certeza que ela era lésbica, mas reprimida pelo julgamento da sociedade. Principalmente da sua mãe. Havia sido ela a determinar a ‘prisão’ de Diogo. Por isso o seu pai havia traído tanta vez a mãe. Ela recusava, dizendo por motivos religiosos, deitar-se na mesma cama que o marido. Dizia que era o pecado da carne.
Mais uma vez, olhou para o cinto. Pronto a matar-se por sua causa, enfiou a cabeça dentro do circulo que havia deixado solto. Nesse preciso momento entraram na sala. Diogo, atrapalhado, empurrou a cadeira com os pés. De imediato foi seguro pelo primo. Era ele quem havia entrado.
- Venham cá! – Disse Fernando. – Diogo, no que te metes… Não te debatas, pá!
- Larga-me… - Dizia Diogo, debatendo-se.
Depressa estavam lá os outros primos, o pai, a mãe, a avó. Rapidamente o tiraram do cinto.
- Vejam! – Começou a avó. – Isto é o sinal que o diabo está entre nós. Temos de chamar o padre!
- Mas chamar para quê! Tire essas ideias da cabeça. O rapaz gosta de rapazes, tão só. – Disse o seu pai, mais aberto ao mundo.
- Cale-se, que quem manda nesta casa ainda sou eu. Que vergonha, fui casar a minha rica filha com um desnaturado.
- Você não me chama isso…
- Ou o quê? Bate-me? Saia desta sala, agora!
O pai de Diogo ainda resmungou, mas, ao ver que não tinha apoio nenhum, retirou-se. Ele sempre achara normal o feitio do rapaz. Ele também reparara no jeito de ser da sua esposa, e não levava a mal. Mesmo assim, mesmo traindo-a, era apaixonado por ela.
- Chamem o padre, já. E prendam o Diogo à cama. – Disse a avó.
- Não, não me façam isso. Não!
Prenderam-no à cama. A Diogo só restava aguardar…
O padre chegou. Logo, sabendo pela avó o que se passava com ele e qual o sucedido que o levara a chamarem, ordenou que o fechassem no quarto com o doente. Mas antes, que lhe dessem uma larga vara, para punir o mau espirito que havia dentro de si. Assim o fizeram. Conforme iam fechando a porta, o padre ia dizendo as rezas. Conforme fecharam a porta e o padre sentiu que já estavam longe, parou.
- Com que então homossexual… Gostas de levar pelo cu… Eu vou te dar uma lição preciosa, espero que aproveites…
Conforme disse isso, tirou as calças a Diogo. Ele tentava se debater, mas só fazia pior. O padre pegou na vara e enfiou-a pelo rabo de Diogo acima, brincando com ela. Enquanto isso ia gritando rezas, cada vez mais alto, conforme os gritos de Diogo. Quando acabou, Diogo sangrava do rabo, e havia soltado os intestinos. Chamou para destrancarem o quarto, após lavar a vara com que havia penetrado Diogo.
- Não digam nada. – Disse o Padre. – O diabo saiu por o orifício que queria retirar prazer carnal, pelo rabo.
A avó entrou, temendo, para ver o resultado. Assustou-se, mas, decerto, o diabo tinha saído, tal como o padre havia dito. Agradeceu muito e ficou a observar como os primos se aproximavam dele, rindo-se da sua condição. Diogo tentava gritar ‘Ajudem-me’. Mas, por estar tão fraco, não o conseguia. Finalmente soltaram-no. Levaram-no para a casa de banho, onde lhe deram banho de água gelada. Como se não fosse só isso, não chamaram nenhum médico. Acharam que aquilo era resto do diabo que havia corrompido o seu corpo, e tão só. Que melhoraria a partir daí.
Passaram dias e ele não melhorava. Temendo verdadeiramente pela vida dele, a avó mandou chamar o médico. O homem, verdadeiro profissional dedicado à causa de cuidar dos pacientes, mas sabendo das causas que o levaram aquele estado, determinou o imediato internamento de Diogo. Ele, fraco demais para lutar, deixou-se ir.
No hospício, começaram por lhe dar verdadeiros cuidados médicos. Demorou umas semanas a sentir-se melhor, mas, quando viram que já podia andar, despacharam-no para outra secção, a dos malucos. Lá, trataram-no com o maior desprezo possível. Sofrendo às mãos dele, Diogo suplicava para que o soltassem.
- Só quando deixares de querer corromper crianças. – Respondiam eles.
Ele nem sabia o que aquilo tinha a ver com a sua sexualidade. É claro que não faria mal a crianças, nem lhe passava pela cabeça fazê-lo. Mas, cada vez mais duvidava da sua sexualidade. Talvez gostasse de raparigas, afinal. Mas era tímido, até demais. E, também, elas pareciam tão frágeis. Não sabia, na verdade não o sabia.
Passado oito meses libertaram-no, com a indicação que era impossível curá-lo. A avó, transtornada, perguntou porque não o podiam receber para sempre. Disseram que naquele hospício não aceitavam internamentos desses, que procurasse outro. Mas aquele era do Bom Jesus, era religioso. A avó não o imaginava noutro hospício. Prenderam-no, novamente, na sala, mas sem cinto. Enquanto debatiam se haviam de chamar o padre outra vez para outro exorcismo, decidiram que iriam procurar tratamento para ele na província. Naturais da beira alta, o que não faltava lá era religiosidade. Mas Diogo não aguentava mais. Ele queria ser livre. Ao jantar, esperou que a avó adormecesse enquanto o vigiava, como fazia sempre. Sem ela saber, abriu os pulsos, sangrando profusamente. E simplesmente esperou. Desta vez, ninguém apareceu, pois julgavam-no seguro com a avó…

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