quarta-feira, junho 21, 2017

A despedida


Luísa chegou a casa. Estava desvastada. Tudo o que queria era fugir. Mais uma vez o namorado tinha feito um cena de ciúmes no meio da rua, obrigando-a a regressar a casa. Dirigiu-se à janela para respirar... Reparou no marco do outro lado da rua... E porque não partir mesmo?

 Quando reparou, o namorado já tinha saído para ir ao café. Era a sua oportunidade. Decidiu fazer as malas e escrever uma carta. Ele ainda demorava, Luísa sabia-o. Este era o conteúdo da carta...:

  Enquanto te temia tudo corria bem. Pelo menos para ti. Mas agora tudo acabou. Por este meio digo-te-o. As palavras que me dirigiste... Hei de me lembrar delas toda a minha vida. Ou, pelo menos, até ser feliz. Pois acredito que a felicidade regressará, seu reles cobarde. E ninguém me baterá mais. Agora que parto deixo-te estas palavras para que possas reconhecer os teus erros. Ela chegar-te-á muito depois de ter partido. Não me procures, pois não saberias onde me encontrar. Tudo o que quero é esquecer-te. Esquece-me também, se o puderes. Com todo o amor me despeço. 


 Luísa.


Terminada a carta, pegou nela, nas malas e dirigiu- ao marco do correio. Deixou lá a carta e chamou um taxi pelo telemóvel. Onde ia? Até um lugar longe daí. Devido ir até aos comboios, ir embora, simplesmente.


Ana Sophya Linares

Corpo esquecido


Tudo o que queria era voltar atrás. Esquecer tudo. Mas, naquele turbilhão de sentimentos, não o conseguia fazer. Ele tinha feito mal a Mariana. Ela não o podia esquecer. E como o fazer? Estava cheia de nodoas negras. Mas por fim tinha-o confrontado. Podia lhe ter valido uma tareia, mas conseguiu-o.

Estava farta dele. Ele tinha traído Mariana vezes demais. E ainda chegava com aquele ar de machão, dizendo que a culpa era só dela, por não lhe dar o que queria e quando o queria. Mas, depois, mostrava-se arrependido das suas palavras e acabavam a fazer amor como nunca antes. Como ela se arrependia desses momentos de fraqueza. Como havia sido burra. Mas agora era o fim, tinha se livrado dele. Agarrara numa faca e atingira-o no pescoço, impossibilitando-o de falar. José tentara respirar, mas só saía sangue. E, por fim, caíra, morto. Mariana não podia estar mais feliz.

Ela não tinha muita força, mas iria dar tudo por tudo para cortar José por partes. Queria se desfazer dele e essa era a forma mais fácil que encontrara de o fazer. Os seus pais não podiam desconfiar nada. Apesar do filho ser um traste, defendiam-no sempre, dizendo que Mariana é que estava errada, que ela merecia as sovas. Achou, na sua mente, divertido. Agora que ele estava morto, podia brincar com eles. E que tal enviar uma orelha com o pírcingue dele, sangrenta? Mal podia esperar para ver a cara deles. Mas, por outro lado, era errado. As pistas podiam conduzir até si. Não, não faria isso. Apenas desmembrá-lo-ia e livrar-se-ia dele, em pedaços.

A noite já ia longa… tinha de o fazer rápido. Por sorte viviam numa casa terra, sem vizinhos. Nem queria imaginar como seria fazer aquele serviço sem essa particularidade. Teria de esperar pelo amanhecer, para se encontrar sozinha. Para aumentar a sua sorte, havia uma motosserra na garagem. Foi ver dela e começou a despedaçar o corpo, que, entretanto, tinha arrastado para a banheira. Não era nada de novo livrar-se de um corpo assim, mas era a primeira vez que o fazia.

Quando acabou, estava coberta de sangue. Apetecia-lhe tomar um banho, mas primeiro tinha de tirar de lá os pedaços de José. Foi buscar uns sacos pretos e foi aí que se apercebeu que começava a amanhecer. E o que faria agora, como levaria os restos de José até onde quer que fosse? Tinha de esperar pelo dia seguinte.

Nesse dia não iria trabalhar. E ligou também para a empresa de José, dizendo que ele estava constipado, não podendo ir trabalhar. Depois, descansou.

Acordou, já eram cinco da tarde. Ainda faltavam duas horas para anoitecer. Foi tomar um banho para limpar todo o sangue de cima de si. Tinha sangue em todo o lado: cabelo, corpo…

Por prevenção, deitara-se no sofá a dormir, com um saco de plástico rasgado que cobria todo o sofá, para não o sujar.

 Depois do banho, foi fazer algo para comer. Tinha pouca carne em casa… Olhou para os sacos com os resto de José. E porque não… Tirou um pedaço do peito de José e pô-lo a fritar. Hum, nunca nada lhe tinha sabido tão bem. E que tal ficar com ele em casa, cozinhá-lo? Parecia-lhe uma boa ideia. Nem ela sabia o que a aguardava…

Ao fim de uns dias, ligaram-lhe. Ninguém sabia de José. Procuraram por ele nos bares habituais, mas não o encontraram. Se Mariana sabia dele. Ela respondera que não, desde aquele dia que não sabia nada dele. Mas o carro ainda se encontrava a porta dela, e foi isso que a tramou. A polícia, alarmada pelos pais de José, bateram-lhe a porta. E foi aí que viram o estado da casa e que viram os sacos pretos. Sem arca e um frigorifico pequeno, não dava para guardar tudo. E o sangue demorava a sair. Por isso a casa ainda se encontrava desorganizada.

Prenderam Mariana pelo crime atroz. Disseram que nunca tinham visto nada assim.
Foi julgada a porta fechada, pela atrocidade do crime. Apenas assistiram os pais de José. Até os seus pais haviam abandonado Mariana. Ninguém jamais a achou inocente, que apenas se havia defendido. Foi condenada a 25 anos numa instituição mental, pois, segundo as palavras do juiz: ‘Quem faz um crime destes, não bate bem da tola’.


Ana Sophya Linares

quinta-feira, junho 01, 2017

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A batalha

Nesse dia Moreira se levantou, apressado. Tinha conhecido uma garota com quem havia dormido. Por sorte, a sua noiva não se encontrava na cidade e sim no interior, onde permanecia escondida das manifestações que assolavam a cidade. Moreira, como policial, tinha pouco tempo para se arranjar. Às sete ia substituir os colegas que, cansados, haviam tentado conter as manifestações durante a noite. A moça começou a despertar.
- E aí, amor, já vai indo?
- Vou, e você também. A noite foi boa, mas está na hora de se ir. E não me chame de amor; foi só uma noite.
- Cara, que violência. Gato, você não quer repetir?
- Não, não quero. Tenho noiva, sabe. E vou repetir: foi só uma noite.
Então ela se levantou, danada, se vestiu e foi-se embora. Moreira ficou só, pensando na burrada que havia feito. Nunca mais iria se deitar com uma manifestante. Só causavam problemas. Quando olhou para a hora, tomou um duche rápido, se vestiu e tomou um café. De seguida, saiu. ‘De volta à batalha.’, pensou. Caraca, como estavam as ruas. Nem parecia um bairro comercial.
- Ai, mano, ‘tá de volta? – Perguntou Pires, um colega.
- É isso, cara. Vou render você. Pode ir.
- Grato, colega. A noite foi difícil, agora é sua vez. Vai fazer até quanto?
- Pelo menos umas 12 horas, não sei. O que durar.
- Muito bem. Vou deixar você, então. Arrasa, bro.
E aí Pires deixou a frente armada e se foi. Moreira ficou com os outros colegas, tentando defender a barricada. O dia já ia longo quando a manifestação pareceu se tornar pior. Portanto, tiveram que usar gás lacrimogénio para debandar com os ativistas. Mas isso só fez piorar a barricada, que agora era atingida por pedras. Sem pensar duas vezes, Moreira atirou com a arma de fogo. Nem viu se atingiu alguém; não era esse o seu propósito. Continuou batalhando até ficar sem bala. A plebe pareceu se afastar, deixando a barricada da Polícia Federal. Era noite quando foi dispensado. Podia ir para casa, já tinha feito muito. Tinha fome, mas nada estava aberto. Tinha pouca comida em casa, pelo que pensou em se aventurar pela outra ponta da cidade. Estava indo lá quando decidiu telefonar a sua noiva. Chamou, chamou… E nada. Não atendia. Preocupado, Moreira encostou o carro na via e telefonou para sua família.
- Alô, é você, Pedro?
- Sou eu, sim, mamãe. Sabe da Gabi? Estou tentado lhe ligar, mas ela não atende…
- Você não soube? Houve um colega seu, um policial, que andou disparou a arma de fogo contra os manifestantes. Aí, sua noiva estava lá.
- Mas estava lá, como? Eu disse para ela não ir. Que era perigoso, que ela não se devia manifestar. Olha a vergonha que vou passar com os meus colegas.
- A vergonha? Vergonha é policial armado disparando sobre uma manifestação indefesa.
- Indefesa não. Eles mandam pedras contra nós. Nos temos de nos defender.
- Não quero falar mais. Que vergonha. Vá ver da sua namorada.
E desligou. Moreira não quis admitir, mas a culpa havia sido sua. Ele é que tinha disparado contra a manifestação. Nesse momento ela podia estar morta! Ele foi rápido ao hospital mais perto da sua zona de atuação. Chegado lá, chamou pela enfermeira de serviço e perguntou pela Gabi Andrella. O informaram que ela estava sendo operada, que tinha sido atingida por uma bala por um policial armado. Que tinha sido ferida perto do coração, mas, em principio, iria se salvar.
- Graças a Deus. Mas não há nada que possa fazer?
- Pode se sentar e esperar. Mais logo lhe darei noticias.
- Obrigado. Assim farei.
E sentou-se. Com a preocupação tinha esquecido a fome. Nem uma maquina de comida existia naquele piso. Tinha de aguardar… Contatou o seu chefe avisando que não iria trabalhar até sua noiva se recuperar. O seu chefe compreendeu. Como lidar com o arrependimento? Como lidar com o sofrimento? Ele queria dizer que tinha sido ele a disparar, mas não tinha como. E, de certa forma, a culpa era de sua noiva. Ele avisara para ela não fazer nenhuma tolice. Sabia da sua opinião contra o estado. Mas ele avisara-a do perigo das manifestações. Não, a culpa era dela. Ela é que fizera isso a si própria. Ele não dispararia se soubesse que ela estava lá. Mas não, ela tinha de o contrariar. Como era teimosa. Perdido em seus pensamentos, nem deu pela vinda da enfermeira que lhe ia dar notícias sobre Gabi.
- Sr. Moreira? – Disse a enfermeira.
- Sim, sou eu. – Disse ele, levantando-se abruptamente.
- Sr. Moreira, sua noiva já foi operada. Correu tudo bem. Ela agora vai descansar. Seria melhor voltar daqui a umas horas, já é muito tarde. Só amanhã é que ela deve acordar.
- Tudo bem, eu vou. Manhã cedo estarei aqui, para a ver.
- Muito bem, pode ir. – Disse a enfermeira, virando costas.
Moreira se sentia mal. Nunca tinha atingido alguém que amava. Tinha sido um erro. Mas iria lhe contestar a razão. Que a culpa tinha sido dela. Foi no dia seguinte, mas disseram-lhe que estava fraca, que precisava de repousar mais, que não aconselhavam visitas. Moreira, resignado, aceitou e foi-se embora. Iria esperar uns dias. Enquanto isso, o melhor era voltar ao trabalho. Falou com o seu chefe que rapidamente o mandou voltar às ruas. As manifestações estavam maiores que nunca e todo o homem era necessário. Passado três dias, voltou a visitar a noiva. Os pais dela tinham-lhe telefonado do hospital, dizendo que Gabi já estava mais forte, que poderia receber visitas. Moreira saiu rápido do trabalho e foi para o hospital, avisando o chefe da ocorrência, que o liberou. Chegou ao hospital, quase desesperado.
- E aí, moça, pode me dizer se Gabi Andrella pode receber visitas?
- Espere um pouco que vou ver. Qual é seu nome, mesmo?
- Moreira, Pedro Moreira.
- É familiar?
- Não, sou noivo dela.
- Só com autorização da família você pode visitar ela.
- Mas eu tenho, foram eles que me ligaram.
- Então espera aí, que eu vou verificar.
E a enfermeira foi. Enquanto isso, Moreira observou o hospital. Era muito limpo, parecia um palácio. De construção antiga, estava muito bem conservado. Então ela voltou. Confirmou que podia visitar Gabi, mesmo estando fora do horário e não sendo família. Moreira nem quis ouvir mais nada e seguiu direto para o quarto de Gabi. Quando entrou, viu ela deitada na cama, sorrindo. Ele se aproximou.
- Como vai, meu amor? Você me deu um susto, sabia?
- Sério, cara? Meu amor, lhe peço perdão. Mas um cara atirou em mim…
- Eu sei, minha querida. Eu é que lhe peço perdão; nunca devia ter agido assim.
- Como assim? Que é que você quer dizer com isso?
Moreira fixou-a. Não sabia se havia de dizer a verdade ou não. Mas não podia esconder mais isso.
- Amor, peço perdão… Fui eu que atirei em você. ‘Cê não devia ter estado lá, se eu soubesse, nunca tinha atirado. Mas os policiais se viram em dificuldades, não pude virar costas no momento. ‘Cê sabe o que é aquilo.
- Sei, sei sim. É uma selvajaria. Todo mundo comete erro, mas atirar contra uma manifestação? De que é que você se estava defendendo? Dos gritos!?
- Amor, eles atiraram pedra na gente. Tive que defender, porra.
- Sai. Sai daqui. Não te quero ver mais. Sai, cafajeste.
Moreira nem lutou. Viu o desagrado na face de Gabi. Saiu sem pensar mais. Foi de volta para a luta. Seria a sua vida agora. Nada importava mais. Só a batalha, só a solidão…