Quando chegares.... Diz-me porque partiste, e quando. Pois muito antes de estares aqui, já tinhas ido. Muito antes de teres partido, já o tinhas feito. Porque nunca ficaste muito no mesmo sitio. Sempre caminhante, nunca paraste, por nada.
Ambicionava o teu amor, como uma nascente ambiciona tornar-se rio. A minha paixão alonga as minhas palavras, o sofrimento, a minha dor. Tudo nesta vida tem um concluo, exceto o nosso amor. Esse nunca terminou (e sei que o sabes).
Estando perdida nestas divagações, não me apercebi que o tempo tinha passado. Já são 16 horas? Credo, tenho mesmo de sair daqui. Este tempo, também, não ajuda nada. Está demasiado frio para sair, mas demasiado calor para acender a lareira. De repente, o telefone tocou. Era Luciana, uma amiga.
- Estou? – Disse ela.
- Sim, diz, Luciana. – Respondi.
- Estou aqui sem fazer nada… Não queres ir beber um café?
- É sábado, Luciana. Não bebo café ao sábado.
- Vá lá, não brinques. Sabes que é uma força de expressão. Vamos sair, só um pouquinho, para conviver.
- Está bem, vamos lá. Deixa-me só arranjar. Daqui a meia hora encontro-te no café aqui ao pé de casa.
- Ok. Também me vou arranjar. Até já.
- Adeus. – Disse eu.
Bem, que melhor maneira de te esquecer do que me distrair? Eu preciso disto.
Já passava das cinco quando lá cheguei. Luciana também ainda não tinha chegado, segundo me confirmou por mensagem. O café estava cheio, combinei com ela noutro. Ela aceitou.
Quando lá chegou, vinha encharcada.
- Então e essa carta de condução? – Perguntei eu.
- Sabes que chumbei no exame. Raios, a tua casa tinha de ser tão distante da minha?
- Temos pena. – Disse eu, rindo-me. – Tira o casaco, está encharcado.
- Eu sei que está.
Luciana tirou o casaco.
- Então, conta lá novidades. – Disse Luciana, enquanto pedíamos café.
- Bem, estava a pensar nele. Sabes, é difícil esquece-lo.
- Mas ele fez te sofrer tanto. Como é possível isso?
- O amor não se esquece assim, de um dia para o outro. Sim, amor. – Disse eu. – Não me olhes com essa cara, também houve momentos bons.
- Tu lá sabes… - Disse Luciana. – Olha, aquela não é a Beatriz?
- A gaja por quem o Alexandre me deixou? Deixa ver. – Disse eu, voltando-me para a porta.
- Assim não, dás nas vistas. Oh, Patrícia, só tu. – Disse Luciana, rindo-se.
Assim, que Beatriz fez contato comigo, bebeu o café de um trago e saiu.
- Olha, ao menos foi-se embora. – Disse Luciana.
- Menos mal, ando com umas ganas de partir o focinho aquela gaja… - Respondi.
- Calma, ela não tem culpa. Ela não sabia que tu eras a namorada dele. Aliás, não sabia que ele andava com as duas. Mas suspeito que ela também não ande com ele.
- Como assim? – Perguntei eu.
- Lá na fábrica, dizem que ele anda muito sozinho desde que acabou contigo.
- A sério?
- Mas não tenhas esperanças. Se ele não foi ter contigo até agora, também não irá mais. – Concluiu Luciana.
- Vamos ver…
- Patrícia, não tenhas esperanças. Ele enganou-te.
- Eu sei que passamos por muito, mas, não sei, ainda gosto dele.
- Não te iludas, não deixes isso tornar-se uma obsessão.
- Está descansada, Luciana. – Disse eu. – Isso não vai acontecer.
Acabamos de tomar o café em alegre cavaqueira. Ela falou-me de histórias do que se passava na fábrica, eu contei-lhe do que via na rua. Afinal, já tinha trabalhado na fábrica de sapatos, agora limpava a rua enquanto o desemprego não acabava e não encontrava algo melhor.
- Já agora, sabes a lojas de acessórios, a Bijou? Acho que estão a contratar uma empregada. Porque não vais lá? – Disse-me Luciana.
- A sério? Tenho de ver isso. – Respondi.
- Vai lá hoje. Acho que estão abertos ao sábado.
- Mas são quase seis…
- Então é melhor apressares-te.
Despedi-me de Luciana e fui. Ao chegar, a lojista estava quase a fechar. Falei com ela brevemente e ela disse-me para passar lá na segunda, com o currículo. Eu disse: claro que sim; e fui-me embora.
Tinha de arranjar as unhas, elas estavam num estado lastimável. Nem sei como ela me estava a dar uma oportunidade, tal não era o estado delas. Mas, enfim, adiante.
Fui para casa. Que lástima, os meus vernizes estavam no fim. Iria comprar novos no dia seguinte.
Chegou a segunda-feira. Liguei para o patrão a dizer que tinha alguns assuntos pendentes a tratar, que precisaria do dia. Ele foi compreensivo. Peguei nas coisas, conferi se tinha a pen comigo, e saí. Fui à biblioteca, pois aí as impressões eram mais baratas. Imprimi mais currículos e corri, praticamente, até à Bijou. Tinha acabado de abrir quando cheguei.
- Bom dia. – Disse a rapariga.
- Bom dia. – Respondi. – Vim por causa do currículo, da vaga.
- Sim, lembro-me de si. Pode deixa-lo comigo, que a patroa depois entra em contacto consigo. Tem aqui um numero de contacto, certo?
- Claro que sim.
- Ainda bem. Sabe, é que já aconteceu, no passado, esquecerem-se de deixar os contactos. E, depois, nem passavam aqui, novamente.
- Pois, há pessoas assim. Obrigada, então. Adeus.
- Adeus, boa sorte.
Agradeci e saí. Fui apanhar um autocarro, para ir até ao fórum e aos outros centros comerciais. Havia de arranjar emprego.
Todos foram simpáticos para mim. Mas, a maior parte, disse que não precisavam de ninguém. Ao menos, tinha tentado. Ninguém vence sem falhar, primeiro. Ainda nesse dia recebi uma chamada. Era a gerente da Bijou, a contactar-me para uma entrevista de emprego, no dia seguinte. Combinamos à hora de almoço, depois de lhe explicar o facto de, apesar de estar no desemprego, estava a gastar as horas a limpar as ruas. Ela entendeu.
No dia seguinte, fui à entrevista. Correu bem, ela queria que começasse na próxima segunda-feira. Sai dali toda animada. Fui ter com o meu patrão e expliquei-lhe a situação. Ele apenas pediu-me que, ao menos, ficasse até sexta-feira. Acedi, cumprimentarmo-nos e fui trabalhar.
Segunda-feira veio e apresentei-me ao serviço. Algumas clientes entraram para cumprimentarem a Andreia, a outra lojista. Cumprimentaram-me também, ao darem pela minha presença.
- Ai, a senhora é nova aqui? Perguntou uma senhora, de seu nome Maria.
- Sim, é o meu primeiro dia. – Respondi.
- Muito bem, parabéns. – Disse outra senhora.
- Obrigada. – Disse eu.
O dia, no geral, correu-me bem, apesar do nervosismo inicial.
A semana correu-me bem. Ao final, disseram-me que iria ficar só durante a hora de almoço de Andreia. A hora de almoço era alternada, a loja não fechava.
Estava a morrer de fome quando Beatriz entrou. Com Alexandre. Afinal, estavam juntos…
Foi uma visita rápida pois, assim que ela me viu, saiu logo. Ele ficou.
- Então, deixaste as ruas? – Disse ele.
- Haha. Deixa-te de graças. – Respondi. – Queres comprar algo?
- Ya, até vinha para isso. Mas agora que estás aqui…
- Agora que estou aqui o quê?
Entretanto, chegou a Andreia. Cumprimentou Beatriz, ainda na rua. Eu vi. Não devo ter ficado com boa cara.
- Ela trabalhou cá. – Disse ele.
- O quê? – Respondi eu; nem tinha ouvido o que ele disse.
- Ela trabalhou cá, a Beatriz.
- Ah, não sabia. – Disse-o com sinceridade.
Nesse momento, saiu. Andreia entrou e disse-me que já podia ir almoçar. Quando saí, já eles tinham desaparecido. Bolas, logo agora. Que raiva àquela gente. Apetecia-me parti-lhes a cara. Não que o conseguisse. Mas vontade, tinha.
Tive de ligar à Luciana a contar a novidade. Mas ela não atendeu. Mandou-me mensagem a dizer que estava ocupada. Bem, teria de esperar pelo final do turno.
Assim que acabou o turno, e depois de chegar a casa, enviei uma mensagem á Luciana, a dizer que precisava de falar, se ela estava disponível. Ela respondeu-me passado uma hora, avisando que essa era a noite em que saia com o namorado, segurança noturno numa empresa, que tinha folga nessa noite. Não dava para falar. ‘Que pena, logo hoje.’, pensei eu. Mas tudo se havia de resolver.
No dia seguinte, tudo correu bem. Eu ainda sentia a raiva a correr por mim, mas não o demonstrei. Ao final do dia mandei outra mensagem a Luciana, a pedir-lhe para falar. Ela telefonou.
- Então, miúda, queres ir beber um café?
- Sim, vamos. Desta vez ao pé da tua casa.
Passado 15 minutos, estávamos no café.
- Então, conta lá. – Disse-me Luciana.
Eu contei-lhe o que se tinha passado.
- Bem, que cena. As coisas que tu passas.
- Podes crer.
- E que pensas fazer em relação a isso?
- E que é que posso fazer, Luciana?
- Eu sei lá.
- Também eu. Fiquei revoltada, enervada. Mas não posso andar à pancada assim, sem mais nem menos.
- Hahaha. Como se conseguisses algo.
- Eu sei que não ia conseguir nada. E de nada valia a pena brigar. Já foi, já era.
- Muito bem. Cresceste imenso na minha consideração.
Falamos sobre outras coisas. Também, já enjoava falar sobre o mesmo.
Saímos do café em alegre cavaqueira, mesmo quando eles vinham a entrar.
- Não, é maldição, só pode. – Disse eu, em voz alta.
Parecia que me tinham ouvido. Desviaram-se para outro café.
- Bem, artifícios do destino. Parece que estás destinada a encontra-los sempre. – Disse Luciana.
- A sério, só me apetece espancá-los…
- Calma, não vás por aí.
- Mas dá-me raiva vê-los juntos.
- Eu sei que dói…
- É mais que uma dor, é desespero… Porque ele escolheu-a, ao invés de mim.
- Patrícia, olha, não há uma forma simpática de te dizer isto. – Começou Luciana. – Acabou, já era. Muda a página, porque o livro, esse, já passou à história. Irá sempre doer, essa dúvida. Mas não podes ficar parada, tens de seguir em frente.
- Eu sei… - Respondi.

O que se há de fazer da vida? Segui-la, pois então, até onde esta nos levar. Eu não o podia saber então, mas o amor tem muitas formas de se demonstrar…