sábado, dezembro 29, 2018

O monstro sou eu






John e Elena estavam ao pé do lago, namorando. Era uma suave noite de verão. Estavam quase a fazer amor quando notaram que a agua se parecia mexer de forma estranha.

- Vês aquilo? – Disse Elena, visivelmente incomodada.

John levantou a cabeça. Nesse momento saiu uma mulher da água. Tinha um corpo lindo. Andou até eles e parou. Depois, voltou para a sua esquerda e apanhou o que aparentava ser uma toalha do chão e limpou-se a ela, seguindo para uma casa de madeira ao lado. John estava vidrado nela. Mas Elena conseguiu captar a sua atenção. Fez amor desenfreadamente com ela.

Quando terminaram, John fingiu-se cansado e adormecer. Elena adormeceu mesmo. Quando isso aconteceu, John levantou-se e dirigiu-se à casa de madeira para onde a bela mulher tinha entrado e que tanto John como Elena achavam que estaria abandonada antes disso. Assim que entrou, viu que não havia luz. ‘Que estranho’, pensou John. Decidiu voltar ao pé da namorada para ir buscar uma lanterna. Rápido regressou. Assim que acendeu a lanterna, viu que estava tudo cheio de poeira e teias de aranha. Quando apontou a lanterna mais para a frente a tal rapariga apareceu, molhada, com um vestido branco manchado de sangue e uma faca na mão. Atacou-o de tal maneira depressa que ele quase não teve tempo de gritar. Mesmo assim, a namorada ouviu algo. Acordou. Vendo que o namorado não estava, e pensando que ele se teria escapulido até à cabana abandonada, decidiu pegar na lanterna que tinha e ir até lá. Ouvindo barulhos estranhos e não ouvindo a voz dele, achou por bem gritar pelo seu nome, pois, na verdade, não queria ser surpreendida pelo seu ato de sexo com outra mulher.

- John, John! – Gritou ela.

Mas ninguém respondia. Decidiu entrar. Deu de caras com o inacreditável. John estava no chão, morto, e aquela bela mulher bebia o seu sangue. Quando a viu, após Elena gritar de choque, atacou-a também.



Manuela. Ela passeava pelo lago com o seu namorado. Tinham uma cabana à beira dele, para onde iam quando iam pescar. Ficava perto de uma cabana abandonada.

Chegados lá, viram uma toalha no chão e acharam estranho.

- Será que alguém se esqueceu dela? – Perguntou Manuela a Isaac.

- Não sei. Mas já reparaste que a porta da cabana abandonada está aberta? – Disse Isaac.

- Vamos lá ver. – Disse Manuela, decidida.

Quando chegaram à cabana, depararam-se com um cenário dantesco. Estava tudo coberto de sangue. E, no meio, estavam os corpos de um jovem casal. Manuela sentiu-se mal e teve de sair, amparada por Isaac.

- Chama… Chama a polícia… - Disse Manuela, antes de vomitar.



Passado uma hora, a polícia e vários jornalistas encontravam-se no local. Manuela e Isaac encontravam-se na sua cabana, a polícia a interroga-los. Desligaram a televisão, que havia ligado apenas para Manuela se distrair da visão que tinha visto do sangue. Todos os canais falavam do mesmo. Do crime que haviam descoberto. Queriam falar com o casal de namorados.

- Então, digam-me lá. – Disse o polícia. – Como descobriram o corpo?

- Nós reparamos na porta aberta, fomos até lá e pronto… - Disse Isaac.

Manuela fez uma cara que parecia que ia vomitar.

- Não me façam lembrar isso… - Disse Manuela.

- Quer ir a casa de banho? – Perguntou outro polícia.

- Sim, se não se importarem.

- Força.

Manuela foi até à casa de banho, onde vomitou, novamente. Quando voltou disseram-lhe que podia ir descansar, se preferisse. Entrevistar-lhe-iam mais tarde. Primeiro iam entrevistar a Isaac.

- Tudo bem, então. – Disse Manuela.

Foi para o quarto, onde tentou dormir um pouco. Mas era impossível. Cada vez que fechava os olhos o que via era aquele sangue todo, os corpos no chão.

- A sua namorada é sensível. – Disse um polícia. – Tenho razão?

- Sim, é verdade. Ela é bastante sensível, não consegue ver sangue. Pior ainda aquela quantidade toda.

- Mexeram em algo?

- Mexer no quê? Eles estavam mortos, era evidente. Apenas abrimos a porta e, após vermos os corpos, chamamos a polícia.

Continuaram o interrogatório, sempre à volta do mesmo assunto. Os polícias procuravam ter a certeza de que nada tinham a ver com as mortes, o que ficou confirmado.

Manuela levantou-se. Não aguentava mais estar ali, sozinha. Decidiu tomar um duche. Estava bastante suada. Quando se despiu notou que tinha uma ferida fechada no pulso, tapada por uma pulseira de pulsos. Não havia notado antes por estar tapada. Achou estranho, pois não se lembrava de ter se ferido em lado algum. Depois do duche e de mudar de roupa, foi para a sala. Os policias ainda estavam lá, mas de saída. Combinaram com ela que devia passar outro dia na delegacia, para prestar declarações. Por enquanto deixavam-na em paz.

Manuela sentou-se no sofá, aconchegando-se a Isaac. Ele afastou-a.

- Que se passa? – Perguntou Manuela.

- Desculpa, mas não dá. Tiveste algo a ver com aquilo? – Perguntou Isaac.

- Estás louco? Eu nada tive a ver. Sabes bem que eu tenho pavor a sangue, tu viste…

- A Manuela sim, já a Ella…

- Que tem a Ella? Ela nunca mais apareceu.

- Julgamos nós…



Os dias passaram e não havia sinais da polícia. Mesmo assim, Manuela decidiu ir à delegacia. Deu o seu depoimento e deixaram-na ir, sem problemas. Ou assim julgava Manuela.

Começaram a investigar Manuela e Isaac, para ter a certeza que nada tinham a ver com o crime. Entretanto, decorriam também as investigações no laboratório às provas.



De noite. Ella levanta-se. Ele dorme, ferrado. Os comprimidos que lhe pôs na bebida estão a fazer efeito. É pena, até gostaria de fazer amor com ele. Mas tinha de o pôr a dormir, para seguir com o seu plano. Ella vestiu uma camisa branca nova, que havia escondido dele. Sai de casa e vagueou pela estrada durante alguns minutos. Era sexta feira, noite de festa. Muitos iam para a discoteca, que fica no caminho da casa dela. Porque a casa é verdadeiramente dela, não de Ella. Ella caminha, bela. Alguém para.

- Boa noite. - Diz o jovem, de dentro do carro, encostado.

Ella não fala.

- Queres boleia?

Ella faz que sim com a cabeça. Entra no carro. O jovem arranca com o carro.

- Chamo-me Fernando. E tu?

Aproximam-se de uma curva. Ella aponta para a frente.

- Queres parar?

Ella faz que sim com a cabeça. Fernando para. 

- Diz-me, queres te divertir um pouco? - Diz Fernando a Ella. 

Ella faz que sim com a cabeça. Fernando sai do banco da frente e vai para trás, para junto de Ella. Rapidamente começa a beija-la, sendo correspondido. Ela o beija, o morde com intensidade.... Pede, com o corpo, urgência no ato. Quando, finalmente, o monta, mostra a faca que trouxe consigo de casa. Especta-a no peito de Fernando, que pensava que Ella iria iniciar um jogo sexual. Um jorro de sangue se eleva e Ella rejubila. 



Ella volta a casa. Toma um duche. Antes, vai até à lareira e deita fogo à camisa. Deita-se com o cabelo molhado. É quase manhã. É hora de ela voltar...

Isaac desperta.  Ainda tem sono, mas tem de se levantar. Nesse sábado trabalha. Sem querer incomodar Manuela, levanta-se com cuidado. Quando a beija nota que o seu cabelo está molhado. ‘Será que já se levantou e eu não notei nada?’, pergunta-se. Estranhando, vai até à casa de banho. Não há nenhuma roupa suja na casa de banho. Estranha, mas não tem tempo para discussões. Arranja-se, toma um duche e vai tomar o pequeno-almoço para, de seguida, ir para o trabalho.

Manuela desperta. Isaac já se foi. Manuela vê um bilhete na mesa de cabeceira, que diz: ‘Desculpa, amor, não te queria incomodar. Dormias tão bem… P.S.: Tomaste banho a meio da noite? Tens o cabelo molhado. Amo-te.’

Manuela repara no seu cabelo. Realmente, está molhado. Mas Manuela não se lembra de ter tomado banho. ‘Que esquisito.’, pensa Manuela. Mas, mesmo assim, vai tomar outro duche. Depois, vai tomar o pequeno-almoço. Enquanto espera que o café aqueça e as torradas se façam, liga a televisão. Nas notícias, outro crime. Um rapaz novo foi encontrado morto num carro não muito longe dali. Manuela, assustada, liga ao namorado.

- Sim, diz. – Responde Isaac.

- Acho que Ella voltou mesmo… - Diz Manuela.

- E agora, que queres que faça?

- Tens de me ajudar.

Entretanto, alguém bate à porta. É a polícia.

- Amor, eles chegaram…

- Eu não volto a limpar a tua porcaria. Desenrasca-te. – Diz Isaac.

Levam Manuela para a delegacia, para ser interrogada outra vez. Apresentam –lhe as provas incriminatórias. O seu ADN no local do crime. Apresentam-lhe, também, um registo da sua antiga psiquiatra, onde vem relatado que que Manuela sofre de dupla personalidade.

- Foi você. Você matou-os e nem se lembra disso.

- Eu não sou um monstro! – Grita Manuela.

Depois começa a rir-se, desenfreadamente.

- … Eu sou o monstro. – Diz Ella, com uma voz diferente, olhado para o vidro que esconde os outros polícias na outra sala.

- Um corpo, duas personalidades. – Diz o polícia. – Não é a sua primeira vez, pois não?

- Isso é algo que nunca saberão…

- Como o fez? Como se levantou sem ele reparar? Ou ele também está metido nisto?

- Ele nada tem a ver. Coloquei-lhe algo para dormir na bebida da noite. Depois, foi simplesmente seguir com o plano.

- Então foi tudo planeado?

- Bem, na verdade, não. Não pretendia matar a mulher, apenas o homem. Mas ela interrompeu-me.

- O que lhe fez?

- Bebi o seu sangue…. Era uma delícia.

- Chega. Podem-na levar.



Os outros polícias levam Manuela/Ella para uma prisão psiquiátrica. Só não lhe colocam uma camisa de forças porque Manuela assuma o controlo. Ou assim o pensavam…

quinta-feira, dezembro 13, 2018

A travessia e a desilusão


Yusuf atravessava o mar tentando não pensar no passado. Para trás ficava a guerra, para a frente, o futuro. Naquele pequeno bote iam, também, mulheres grávidas, outros homens, crianças sem nenhum adulto supervisionando. Vinham todos com esperança no futuro. A guerra empurrava todos em direção ao futuro, era isso que fazia mover aquele barco sem velas, sem remos. Tinha pago quase dois mil euros, fruto de muito sacrifício, para estar ali, finalmente. Yusuf observava as crianças. A elas tinha-lhes sido dada a dávida da vida, pois seus pais tinham se sacrificado por elas. Deviam estar gratos por isso, mas eram demasiado jovens para o entender. Como todos os adultos, ajudavam no cuidado dos menores, dando-lhes comida. O espirito de entreajuda era nato entre eles. Menos para com os traficantes. Eles também não ajudavam em nada, só pensavam neles mesmos. Tinham passado por uma tempestade e perdido alguns dos que estavam no bote. Três crianças e uma mulher tinham se perdido. Apenas uma criança era filho da mulher que se havia afogado. As outras duas vinham só à boleia. Mas ninguém havia chorado a sua morte, não havia tempo para isso. Todos se agarraram à ideia que eles estavam num lugar melhor. Os mais pequenos perguntavam pelos amiguinhos. Apenas lhes respondiam que já haviam chegado ao seu destino, e que os esperavam. Ao quinto dia avistaram um barco de pesca. Cheios de sede, levantaram-se, abanaram os braços e gritaram. Mas ninguém parecia ter reparado neles. Pouco depois, o barco partiu. As crianças choravam. Tinham fome e sede. Aquele barco não estava preparado para muito mais.

Veio a noite. E, com ela, a esperança. Quando muito já dormiam, outros seguiam vigilantes. Quando deram por isso, um barco aproximava-se. Era um barco que os vinha salvar. Yusuf, um dos vigilantes, acordou os outros. Vinham salva-los. As crianças, algumas já quase perecendo de sede, animaram-se com a notícia. Deixaram os adultos desconhecidos pegarem neles e levarem-nos para o barco. De seguida, foram as grávidas. Uma delas estava prestes a dar à luz. Foi de imediato organizado um canto para ela dar à luz o mais confortável possível. Enquanto isso os outros adultos saiam por outro canto, juntando-se a quem já estava no barco. Yusuf não entendia a língua deles, só quando se lhe dirigiam em inglês. Agradeceu muito e aceitou os alimentos que lhe davam. Estava não só sedento, como esfomeado. Mas deu, primeiro, vez às crianças e, mais uma vez, ajudou-as. Como estavam sôfregos e esfaimados. Mudou-lhes as roupas encharcadas e vestiu-lhes as secas que lhes deram, tal como os outros adultos fizeram. O que seria daquelas crianças, a partir dali? O que seria deles? Não podia ficar com nenhuma criança à sua responsabilidade pois não tinha mulher, sequer. Não conseguiria mentir. Decerto seriam bem tratados. Decerto encontrariam novas famílias. Eles, os adultos, iriam para um campo de refugiados. Será que seriam bem tratados?



Passou uma semana. Depressa Yusuf se apercebeu da corrupção que reinava naquele lugar. Tinha ido com esperança de um mundo melhor, mas agora se desiludia. Havia muita prostituição, muitos roubos. Será que o país inteiro seria assim? Não sabia. Sabia, apenas, que aquela ilha era assim. Tinha de se safar como podia. Não via a hora de sair daquele lugar. Por sorte havia mais iraquianos como ele, muçulmanos. Todos rezavam a Alá, agora que podiam. Mesmo no chão despido, sem tapete, ajoelhavam-se e rezavam. Já não havia crianças perdidas ali. Ali, todos tinham família. Os que não tinham família tinham ido para instituições. Por vezes uma ou outra mãe perdia o filho. E desenrolava-se uma longa busca, segundo o que tinham contado a Yusuf. Mas eram quase sempre encontrados. Quase. Um ou outro escapava para o mundo negro do tráfico humano.

Passaram seis semanas. Yusuf tinha conhecido uma jovem mulher nigeriana por quem se havia apaixonado. Queriam se casar, apesar de ela ser cristã e ele muçulmano. Mas, para ele, não havia diferença alguma. Sabia que eram vistos com maus olhos, pois ela não usava a hijab. Mas ele não via mal algum nisso. Até porque pensava dizer-lhe para a usar depois de se casarem. Por enquanto o problema era outro. Queriam sair dali, tentar uma vida nova. Pediram às autoridades para os libertarem na península principal. Para arranjarem emprego e casa. Foi-lhes dito que a vida ainda era mais difícil fora dali, mas iam atender ao seu pedido.

Duas semanas depois, estavam fora do acampamento de refugiados. Mas não os libertaram, como pedido, na península de Itália, e sim na ilha de Sicília, onde se encontrava o acampamento. Mas estavam fora dele, o que já era bom. Tentaram arranjar trabalho. O único trabalho que Yusuf arranjou foi como traficante. Mas não tinha outra hipótese, tinha de se alimentar. Maria, a noiva, também conseguiu trabalho. Disse-lhe que era garçonete de bar num clube noturno. O trabalho da noiva não lhe agradou, mas acabou por aceitá-lo.

As semanas passaram e, uma noite, Yusuf recebeu uma chamada. Tinham prendido Maria. Sem saber do motivo, dirigiu-se à delegacia. Com o tempo tinha se tornado drogado e, naquele momento estava a curtir uma trip de heroína.

Chegado lá, ao ver as roupas dela, percebeu o motivo da detenção: por ser prostituta. Tomado por uma raiva repentina, tentou bater em Maria. Os policiais impediram-no. Nesse momento, aperceberam-se que havia algo de errado com ele. Decidiram fazer-lhe um teste de despistagem a drogas, que deu, obviamente, positivo.

Os dois foram presentes a juiz, separados. Aos dois foi lhes dada a sentença de serem expatriados para os seus países de origem. Yusuf, arrependido, pediu que não mandassem a noiva e ele separados. Mas o juiz não lhe deu ouvidos.

Yusuf voltou ao Iraque, sem noiva. Estava certo que nunca mais a iria ver…

quarta-feira, dezembro 05, 2018