sábado, dezembro 29, 2018

O monstro sou eu






John e Elena estavam ao pé do lago, namorando. Era uma suave noite de verão. Estavam quase a fazer amor quando notaram que a agua se parecia mexer de forma estranha.

- Vês aquilo? – Disse Elena, visivelmente incomodada.

John levantou a cabeça. Nesse momento saiu uma mulher da água. Tinha um corpo lindo. Andou até eles e parou. Depois, voltou para a sua esquerda e apanhou o que aparentava ser uma toalha do chão e limpou-se a ela, seguindo para uma casa de madeira ao lado. John estava vidrado nela. Mas Elena conseguiu captar a sua atenção. Fez amor desenfreadamente com ela.

Quando terminaram, John fingiu-se cansado e adormecer. Elena adormeceu mesmo. Quando isso aconteceu, John levantou-se e dirigiu-se à casa de madeira para onde a bela mulher tinha entrado e que tanto John como Elena achavam que estaria abandonada antes disso. Assim que entrou, viu que não havia luz. ‘Que estranho’, pensou John. Decidiu voltar ao pé da namorada para ir buscar uma lanterna. Rápido regressou. Assim que acendeu a lanterna, viu que estava tudo cheio de poeira e teias de aranha. Quando apontou a lanterna mais para a frente a tal rapariga apareceu, molhada, com um vestido branco manchado de sangue e uma faca na mão. Atacou-o de tal maneira depressa que ele quase não teve tempo de gritar. Mesmo assim, a namorada ouviu algo. Acordou. Vendo que o namorado não estava, e pensando que ele se teria escapulido até à cabana abandonada, decidiu pegar na lanterna que tinha e ir até lá. Ouvindo barulhos estranhos e não ouvindo a voz dele, achou por bem gritar pelo seu nome, pois, na verdade, não queria ser surpreendida pelo seu ato de sexo com outra mulher.

- John, John! – Gritou ela.

Mas ninguém respondia. Decidiu entrar. Deu de caras com o inacreditável. John estava no chão, morto, e aquela bela mulher bebia o seu sangue. Quando a viu, após Elena gritar de choque, atacou-a também.



Manuela. Ela passeava pelo lago com o seu namorado. Tinham uma cabana à beira dele, para onde iam quando iam pescar. Ficava perto de uma cabana abandonada.

Chegados lá, viram uma toalha no chão e acharam estranho.

- Será que alguém se esqueceu dela? – Perguntou Manuela a Isaac.

- Não sei. Mas já reparaste que a porta da cabana abandonada está aberta? – Disse Isaac.

- Vamos lá ver. – Disse Manuela, decidida.

Quando chegaram à cabana, depararam-se com um cenário dantesco. Estava tudo coberto de sangue. E, no meio, estavam os corpos de um jovem casal. Manuela sentiu-se mal e teve de sair, amparada por Isaac.

- Chama… Chama a polícia… - Disse Manuela, antes de vomitar.



Passado uma hora, a polícia e vários jornalistas encontravam-se no local. Manuela e Isaac encontravam-se na sua cabana, a polícia a interroga-los. Desligaram a televisão, que havia ligado apenas para Manuela se distrair da visão que tinha visto do sangue. Todos os canais falavam do mesmo. Do crime que haviam descoberto. Queriam falar com o casal de namorados.

- Então, digam-me lá. – Disse o polícia. – Como descobriram o corpo?

- Nós reparamos na porta aberta, fomos até lá e pronto… - Disse Isaac.

Manuela fez uma cara que parecia que ia vomitar.

- Não me façam lembrar isso… - Disse Manuela.

- Quer ir a casa de banho? – Perguntou outro polícia.

- Sim, se não se importarem.

- Força.

Manuela foi até à casa de banho, onde vomitou, novamente. Quando voltou disseram-lhe que podia ir descansar, se preferisse. Entrevistar-lhe-iam mais tarde. Primeiro iam entrevistar a Isaac.

- Tudo bem, então. – Disse Manuela.

Foi para o quarto, onde tentou dormir um pouco. Mas era impossível. Cada vez que fechava os olhos o que via era aquele sangue todo, os corpos no chão.

- A sua namorada é sensível. – Disse um polícia. – Tenho razão?

- Sim, é verdade. Ela é bastante sensível, não consegue ver sangue. Pior ainda aquela quantidade toda.

- Mexeram em algo?

- Mexer no quê? Eles estavam mortos, era evidente. Apenas abrimos a porta e, após vermos os corpos, chamamos a polícia.

Continuaram o interrogatório, sempre à volta do mesmo assunto. Os polícias procuravam ter a certeza de que nada tinham a ver com as mortes, o que ficou confirmado.

Manuela levantou-se. Não aguentava mais estar ali, sozinha. Decidiu tomar um duche. Estava bastante suada. Quando se despiu notou que tinha uma ferida fechada no pulso, tapada por uma pulseira de pulsos. Não havia notado antes por estar tapada. Achou estranho, pois não se lembrava de ter se ferido em lado algum. Depois do duche e de mudar de roupa, foi para a sala. Os policias ainda estavam lá, mas de saída. Combinaram com ela que devia passar outro dia na delegacia, para prestar declarações. Por enquanto deixavam-na em paz.

Manuela sentou-se no sofá, aconchegando-se a Isaac. Ele afastou-a.

- Que se passa? – Perguntou Manuela.

- Desculpa, mas não dá. Tiveste algo a ver com aquilo? – Perguntou Isaac.

- Estás louco? Eu nada tive a ver. Sabes bem que eu tenho pavor a sangue, tu viste…

- A Manuela sim, já a Ella…

- Que tem a Ella? Ela nunca mais apareceu.

- Julgamos nós…



Os dias passaram e não havia sinais da polícia. Mesmo assim, Manuela decidiu ir à delegacia. Deu o seu depoimento e deixaram-na ir, sem problemas. Ou assim julgava Manuela.

Começaram a investigar Manuela e Isaac, para ter a certeza que nada tinham a ver com o crime. Entretanto, decorriam também as investigações no laboratório às provas.



De noite. Ella levanta-se. Ele dorme, ferrado. Os comprimidos que lhe pôs na bebida estão a fazer efeito. É pena, até gostaria de fazer amor com ele. Mas tinha de o pôr a dormir, para seguir com o seu plano. Ella vestiu uma camisa branca nova, que havia escondido dele. Sai de casa e vagueou pela estrada durante alguns minutos. Era sexta feira, noite de festa. Muitos iam para a discoteca, que fica no caminho da casa dela. Porque a casa é verdadeiramente dela, não de Ella. Ella caminha, bela. Alguém para.

- Boa noite. - Diz o jovem, de dentro do carro, encostado.

Ella não fala.

- Queres boleia?

Ella faz que sim com a cabeça. Entra no carro. O jovem arranca com o carro.

- Chamo-me Fernando. E tu?

Aproximam-se de uma curva. Ella aponta para a frente.

- Queres parar?

Ella faz que sim com a cabeça. Fernando para. 

- Diz-me, queres te divertir um pouco? - Diz Fernando a Ella. 

Ella faz que sim com a cabeça. Fernando sai do banco da frente e vai para trás, para junto de Ella. Rapidamente começa a beija-la, sendo correspondido. Ela o beija, o morde com intensidade.... Pede, com o corpo, urgência no ato. Quando, finalmente, o monta, mostra a faca que trouxe consigo de casa. Especta-a no peito de Fernando, que pensava que Ella iria iniciar um jogo sexual. Um jorro de sangue se eleva e Ella rejubila. 



Ella volta a casa. Toma um duche. Antes, vai até à lareira e deita fogo à camisa. Deita-se com o cabelo molhado. É quase manhã. É hora de ela voltar...

Isaac desperta.  Ainda tem sono, mas tem de se levantar. Nesse sábado trabalha. Sem querer incomodar Manuela, levanta-se com cuidado. Quando a beija nota que o seu cabelo está molhado. ‘Será que já se levantou e eu não notei nada?’, pergunta-se. Estranhando, vai até à casa de banho. Não há nenhuma roupa suja na casa de banho. Estranha, mas não tem tempo para discussões. Arranja-se, toma um duche e vai tomar o pequeno-almoço para, de seguida, ir para o trabalho.

Manuela desperta. Isaac já se foi. Manuela vê um bilhete na mesa de cabeceira, que diz: ‘Desculpa, amor, não te queria incomodar. Dormias tão bem… P.S.: Tomaste banho a meio da noite? Tens o cabelo molhado. Amo-te.’

Manuela repara no seu cabelo. Realmente, está molhado. Mas Manuela não se lembra de ter tomado banho. ‘Que esquisito.’, pensa Manuela. Mas, mesmo assim, vai tomar outro duche. Depois, vai tomar o pequeno-almoço. Enquanto espera que o café aqueça e as torradas se façam, liga a televisão. Nas notícias, outro crime. Um rapaz novo foi encontrado morto num carro não muito longe dali. Manuela, assustada, liga ao namorado.

- Sim, diz. – Responde Isaac.

- Acho que Ella voltou mesmo… - Diz Manuela.

- E agora, que queres que faça?

- Tens de me ajudar.

Entretanto, alguém bate à porta. É a polícia.

- Amor, eles chegaram…

- Eu não volto a limpar a tua porcaria. Desenrasca-te. – Diz Isaac.

Levam Manuela para a delegacia, para ser interrogada outra vez. Apresentam –lhe as provas incriminatórias. O seu ADN no local do crime. Apresentam-lhe, também, um registo da sua antiga psiquiatra, onde vem relatado que que Manuela sofre de dupla personalidade.

- Foi você. Você matou-os e nem se lembra disso.

- Eu não sou um monstro! – Grita Manuela.

Depois começa a rir-se, desenfreadamente.

- … Eu sou o monstro. – Diz Ella, com uma voz diferente, olhado para o vidro que esconde os outros polícias na outra sala.

- Um corpo, duas personalidades. – Diz o polícia. – Não é a sua primeira vez, pois não?

- Isso é algo que nunca saberão…

- Como o fez? Como se levantou sem ele reparar? Ou ele também está metido nisto?

- Ele nada tem a ver. Coloquei-lhe algo para dormir na bebida da noite. Depois, foi simplesmente seguir com o plano.

- Então foi tudo planeado?

- Bem, na verdade, não. Não pretendia matar a mulher, apenas o homem. Mas ela interrompeu-me.

- O que lhe fez?

- Bebi o seu sangue…. Era uma delícia.

- Chega. Podem-na levar.



Os outros polícias levam Manuela/Ella para uma prisão psiquiátrica. Só não lhe colocam uma camisa de forças porque Manuela assuma o controlo. Ou assim o pensavam…

quinta-feira, dezembro 13, 2018

A travessia e a desilusão


Yusuf atravessava o mar tentando não pensar no passado. Para trás ficava a guerra, para a frente, o futuro. Naquele pequeno bote iam, também, mulheres grávidas, outros homens, crianças sem nenhum adulto supervisionando. Vinham todos com esperança no futuro. A guerra empurrava todos em direção ao futuro, era isso que fazia mover aquele barco sem velas, sem remos. Tinha pago quase dois mil euros, fruto de muito sacrifício, para estar ali, finalmente. Yusuf observava as crianças. A elas tinha-lhes sido dada a dávida da vida, pois seus pais tinham se sacrificado por elas. Deviam estar gratos por isso, mas eram demasiado jovens para o entender. Como todos os adultos, ajudavam no cuidado dos menores, dando-lhes comida. O espirito de entreajuda era nato entre eles. Menos para com os traficantes. Eles também não ajudavam em nada, só pensavam neles mesmos. Tinham passado por uma tempestade e perdido alguns dos que estavam no bote. Três crianças e uma mulher tinham se perdido. Apenas uma criança era filho da mulher que se havia afogado. As outras duas vinham só à boleia. Mas ninguém havia chorado a sua morte, não havia tempo para isso. Todos se agarraram à ideia que eles estavam num lugar melhor. Os mais pequenos perguntavam pelos amiguinhos. Apenas lhes respondiam que já haviam chegado ao seu destino, e que os esperavam. Ao quinto dia avistaram um barco de pesca. Cheios de sede, levantaram-se, abanaram os braços e gritaram. Mas ninguém parecia ter reparado neles. Pouco depois, o barco partiu. As crianças choravam. Tinham fome e sede. Aquele barco não estava preparado para muito mais.

Veio a noite. E, com ela, a esperança. Quando muito já dormiam, outros seguiam vigilantes. Quando deram por isso, um barco aproximava-se. Era um barco que os vinha salvar. Yusuf, um dos vigilantes, acordou os outros. Vinham salva-los. As crianças, algumas já quase perecendo de sede, animaram-se com a notícia. Deixaram os adultos desconhecidos pegarem neles e levarem-nos para o barco. De seguida, foram as grávidas. Uma delas estava prestes a dar à luz. Foi de imediato organizado um canto para ela dar à luz o mais confortável possível. Enquanto isso os outros adultos saiam por outro canto, juntando-se a quem já estava no barco. Yusuf não entendia a língua deles, só quando se lhe dirigiam em inglês. Agradeceu muito e aceitou os alimentos que lhe davam. Estava não só sedento, como esfomeado. Mas deu, primeiro, vez às crianças e, mais uma vez, ajudou-as. Como estavam sôfregos e esfaimados. Mudou-lhes as roupas encharcadas e vestiu-lhes as secas que lhes deram, tal como os outros adultos fizeram. O que seria daquelas crianças, a partir dali? O que seria deles? Não podia ficar com nenhuma criança à sua responsabilidade pois não tinha mulher, sequer. Não conseguiria mentir. Decerto seriam bem tratados. Decerto encontrariam novas famílias. Eles, os adultos, iriam para um campo de refugiados. Será que seriam bem tratados?



Passou uma semana. Depressa Yusuf se apercebeu da corrupção que reinava naquele lugar. Tinha ido com esperança de um mundo melhor, mas agora se desiludia. Havia muita prostituição, muitos roubos. Será que o país inteiro seria assim? Não sabia. Sabia, apenas, que aquela ilha era assim. Tinha de se safar como podia. Não via a hora de sair daquele lugar. Por sorte havia mais iraquianos como ele, muçulmanos. Todos rezavam a Alá, agora que podiam. Mesmo no chão despido, sem tapete, ajoelhavam-se e rezavam. Já não havia crianças perdidas ali. Ali, todos tinham família. Os que não tinham família tinham ido para instituições. Por vezes uma ou outra mãe perdia o filho. E desenrolava-se uma longa busca, segundo o que tinham contado a Yusuf. Mas eram quase sempre encontrados. Quase. Um ou outro escapava para o mundo negro do tráfico humano.

Passaram seis semanas. Yusuf tinha conhecido uma jovem mulher nigeriana por quem se havia apaixonado. Queriam se casar, apesar de ela ser cristã e ele muçulmano. Mas, para ele, não havia diferença alguma. Sabia que eram vistos com maus olhos, pois ela não usava a hijab. Mas ele não via mal algum nisso. Até porque pensava dizer-lhe para a usar depois de se casarem. Por enquanto o problema era outro. Queriam sair dali, tentar uma vida nova. Pediram às autoridades para os libertarem na península principal. Para arranjarem emprego e casa. Foi-lhes dito que a vida ainda era mais difícil fora dali, mas iam atender ao seu pedido.

Duas semanas depois, estavam fora do acampamento de refugiados. Mas não os libertaram, como pedido, na península de Itália, e sim na ilha de Sicília, onde se encontrava o acampamento. Mas estavam fora dele, o que já era bom. Tentaram arranjar trabalho. O único trabalho que Yusuf arranjou foi como traficante. Mas não tinha outra hipótese, tinha de se alimentar. Maria, a noiva, também conseguiu trabalho. Disse-lhe que era garçonete de bar num clube noturno. O trabalho da noiva não lhe agradou, mas acabou por aceitá-lo.

As semanas passaram e, uma noite, Yusuf recebeu uma chamada. Tinham prendido Maria. Sem saber do motivo, dirigiu-se à delegacia. Com o tempo tinha se tornado drogado e, naquele momento estava a curtir uma trip de heroína.

Chegado lá, ao ver as roupas dela, percebeu o motivo da detenção: por ser prostituta. Tomado por uma raiva repentina, tentou bater em Maria. Os policiais impediram-no. Nesse momento, aperceberam-se que havia algo de errado com ele. Decidiram fazer-lhe um teste de despistagem a drogas, que deu, obviamente, positivo.

Os dois foram presentes a juiz, separados. Aos dois foi lhes dada a sentença de serem expatriados para os seus países de origem. Yusuf, arrependido, pediu que não mandassem a noiva e ele separados. Mas o juiz não lhe deu ouvidos.

Yusuf voltou ao Iraque, sem noiva. Estava certo que nunca mais a iria ver…

quarta-feira, dezembro 05, 2018

segunda-feira, novembro 05, 2018

Para lá da visão, Capitulo 31






Marcos e Valter conduziram até á casa dos pais de João.

- É ali. – Disse Marcos, saindo do carro.

O chefe aproximou-se, parou e disse algo ao telemóvel. Quando deram por isso, havia policia por todo o lado. Como se alguém tivesse raptado alguém contra a sua vontade.

- Maldito, enganou-me… - Gritou Marcos, sendo segurado por vários policias para não bater no seu chefe.

- É verdade, enganei-te. E tu caíste que nem um patinho. Temos pena.

- Não! Célia!!!  - Gritou Marcos.

Valter encostou-se ao carro, por um momento, a fumar um cigarro. Depois, sem que ninguém se apercebesse, voltou a entrar dentro do carro, tirou uma arma do porta luvas e disparou contra si mesmo, morrendo instantaneamente. Enquanto isso, uma Célia confusa saiu de casa com Joanne pela mão.

- Ali está ela! Vão buscar a miúda! Prendam-na!

Os policias obedeceram às ordens do chefe. Célia foi presa, sem saber o que seria de Joanne. Marcos também, por colaboração no rapto. Pelo caminho Célia viu o corpo de Valter ser levado, sem saber que se havia passado com ele. Quem a iria salvar?



Já na delegacia, os policias tentaram apertar sobre Célia, fazendo-a confessar do que o que fizera fora errado. Mas por pouco tempo. O seu pai soubera do que se passara. Mandara os seus melhores advogados protegerem Célia, enquanto outro grupo de advogados recolhiam testemunhas para processar a esquadra de policia por brutalidade. Foi um trabalho árduo, mas conseguiram.



Marcos estava á mercê dos colegas. Sem saber o que se havia passado (e enganados pelo chefe), deram porrada nele. Só o deixaram em paz quando já estava deitado no chão sem reação. Arrastaram-no até uma cela e deixaram-no lá, sem tratamento. No final de contas, pensavam que ele era pedófilo. Só um ou dois não acreditaram na versão do chefe. Mas não tiveram coragem de se manifestar, juntando-se aos outros na sessão de espancamento. Mas tudo havia de mudar…

Dias passaram e Marcos começou a recuperar lentamente. Célia ia visitá-lo, contra os desejos do pai. Ela estava de luto por Valter, sem saber (ainda) que tipo de homem ele era por trás. Marcos ainda quase não conseguia falar, tal não fora o estado em que o haviam deixado. E isso não era o pior. Os presos tinham raiva dos polícias. E Marcos havia posto muitos lá dentro...

Vendo o estado dele, Célia engoliu o seu orgulho e dirigiu-se a casa do pai. Não estava exatamente agradecida por ter sido libertada por ele. Acreditava que tudo se havia de se revelar. Mas tinha de o fazer, por Marcos.

Chegou a casa num momento em que o pai estava a ter uma reunião importante no escritório. Célia aguardou. Quando o pai saiu com o cliente, olhou para ela com desagrado. Ela acenou, ele assentiu. Aguardou que o pai se despedisse coniventemente do cliente e entrou no escritório.

- Diz. – Disse o pai.

- Boa tarde filha, tudo bem? Palavras agradáveis que nunca me dirigiste na vida. – disse Célia.

- Vá, despacha-te que tenho mais que fazer.

- Educação. O que te falta é educação.

O pai suspirou.

- Boa tarde, filha. Como vais? – Disse o pai, fazendo um sorriso amarelo.

- Melhor, apesar de falso. Venho aqui pedir-te um favor.

- Outro? Achava que já te tinha feito um ao te libertar da cadeia.

- Bem, é parecido. Preciso que libertes o Marcos.

- O Marcos!? Esse está perdido. Acabou a carreira para ele, se não a própria vida.

- Pai, ele foi espancado pelos colegas, mal se consegue mexer. Nem lhe deram tratamento médico, lançaram-no apenas para a cadeia. Ele está a ser sodomizado pelos outros presos, nem tem hipótese.

- Ele é que abriu a sua própria cova, ao ajudar-te e aos outros. Já agora, que é dos outros?

- Do João não sei. O Valter… faleceu…

- Ah, sim, foi o que se matou, não foi?

- Vais ajudar ou não?

- Não. – Disse o pai.

- Mas não porquê?

- Porque não. Agora sai.

- Não. – Respondeu Célia. – Não saio daqui até mudares de opinião.

- Célia, já não és uma criancinha para fazeres uma sessão de birra. Vê se cresces e sai do escritório.

- Não me entendeste. Eu vou te fazer mudar de opinião.

- Haha. E como, posso perguntar?

- Eu sei que mataste um homem.

- Chiu, alguém te pode ouvir e acreditar que é verdade. Porque dizes isso?

- Quando pequena, via a mãe cuidar muito de uma roseira, sem razão aparente. Cuidava por demais. Assim, uma noite, estavam vocês nas vossas tarefas, esgueirei-me até ao jardim. Vi que a terra estava remexida. Comecei a cavar. Encontrei um braço dentro de um saco de plástico. Não sei qual o papel da mãe nesta história, mas sei que ela era incapaz de matar uma mosca. Ah, e sim, sei. Sei que mataste todos os animais que tive. Também os descobri.

- Por isso não voltaste a pedir-me para adotar animais. Mas, voltando ao assunto, como foste capaz de guardar esse segredo durante tanto tempo?

- Vais ajudar ou não? Ah, e no caso de pensares te desfazer do corpo para te inocentares quero dizer que, antes de vir aqui, retirei um dedo do osso do corpo e uma amostra de terra, que penso entregar à policia caso te recuses a ajudar. Não vais fazer nada à tua filha, pois não?

- Quem te garante isso? – Disse o pai.

- És meu pai… - Respondeu Célia.

O pai mordeu o lábio.

- Fazemos assim. Em dois dias ele será libertado. Só não te garanto em que estado. E, a partir daí, será com ele. E tu entregas-me as provas.

-Não. Vais fazer com que todas as acusações sobre ele desapareçam e restaurar a honra dele. Se ele decidir continuar na polícia, é com ele. Mas o seu bom nome será restaurado.

- Não, o que vai acontecer…

- Adeus. – Disse Célia, virando as costas para sair do escritório.

O pai segui-a.

- Quem julgas que és? Está bem, vamos fazer á tua maneira. Mas não me voltas a fazer chantagens, ouviste? Entregas-me as provas todas.

Para lá da visão, capítulo 30






- Estou, Valter?

- Sim, quem fala?

- É o Marcos. Como estão as coisas?

- Ah… Estão bem…

- E a Célia, está boa? – Perguntou Marcos, sedento de saudades.

- Está boa, está aqui. Queres falar com ela? Já agora, a Joanne está bem. Mas estamos a precisar de comida. Por isso vou ter de sair. Queres passar cá?

- Não posso, é muito complicado. Mas calha bem teres de sair. Eu e tu temos de combinar umas cenas.

- Ok. Manda o local e a hora, que eu te encontro. – Disse Valter.

Marcos indicou um café perto de uma lojinha onde podiam fazer compras. Encontraram-se lá.

- Então, como estão as coisas? – Perguntou Marcos, dando um aperto de mãos a Valter.

- Bem, agora que descobrimos o que o João andava a fazer à Joanne, vai bem. Existem, mesmo assim, coisas estranhas nela.

- Por exemplo…? – Perguntou Marcos.

- Ela conseguiu subir uma janela pesadíssima. Até eu tenho dificuldades com aquela janela, por isso a pusemos naquele quarto.

- Não é normal. Que ela disse sobre isso?

- Que a irmã queria que ela fugisse.

- Isso até me dá arrepios. – Disse Marcos. – E a Célia?

- A Célia está boa… quase nos íamos envolvendo noutro dia, mas achei melhor parar.

‘Que tipo de homem fala sobre esse tipo de coisas?’, pensou Marcos.

- Sim, e depois? – Perguntou Marcos.

- Bem, e depois achei melhor parar. Sabes, a miúda estava no quarto. Não que não me apetecesse continuar. Ela é uma fera insaciável. Mas pensei mesmo na Joanne e parei.

‘Que raiva.’, pensou Marcos.

- Bem, vamos falar de outros assuntos. Precisamos pensar em que fazer com a Célia… - Disse Marcos, sendo interrompido em pessoa pelo seu chefe, nesse preciso momento.

- Olá rapazes, tudo bem? Explica-me isso… - Disse o chefe.

- Isso o quê? Não vê que estou a tomar um café com um amigo? –Disse Marcos.

- Marcos, és tão burro. Nem deste pelo facto de que te pusemos uma escuta no casaco, num dos teus botões. Escusas de olhar para lá. Eu interessei-me pela historia de Joanne, acho que ela precisa ser protegida. Realmente, havia inconsistências no relato dos avós de Joanne. Encontrara um peluche na cave e fezes de ser humano. Estão a investigar isso. Creio que o hospital não é a melhor solução para Joanne.

- Então, qual a solução?

- Célia se entregar.

- Mas ela não pode fazer isso. – Respondeu Marcos. – Vão prendê-la. Por rapto.

- Não, se houver atenuantes. O que, neste caso, há. Ela é melhor tratada por Célia do que foi pelos avós.

- Então, onde podemos fazer a entrega? – Perguntou Valter.

- Eu não estou a falar consigo. – Falou o chefe de delegacia, virando-se para Marcos. – Que tipo repugnante. Eu estava a ouvir a vossa conversa, sabes…

- Agora sei. – Disse Marcos.

- Então, levem-me até ela.

Marcos hesitou.

- Como posso saber que está a dizer a verdade?

- Terás de confiar em mim…

Para lá da visão, Capítulo 29






Depois de João sair, tudo ficou em paz. A casa, Célia, Valter, Joanne (que apareceu junto á porta do quarto conforme João saía). Quando Célia reparou nisso, levou-a para dentro e tentou adormece-la, o que acabou por conseguir. Depois, foi fazer o jantar.

- Em breve precisaremos de mais comida. – Disse Célia, divagando.

- Em breve não estarão mais cá. – Respondeu Valter. – Tenho de entrar em contacto com o Marcos. O problema é que era João quem tinha o numero dele.

- Não lhe podes pedir? Ele não o poderá negar. – Disse Célia.

- Não sei, ele estava com ares de importância, como de quem se iria vingar.

- Não te preocupes, ele não o fará. Conheço-o.

- Eu também… - Disse Valter, aproximando-se de Célia.

Valter agarrou na face de Célia.

- Que estás a fazer? – Perguntou Célia.

- Isto… - Respondeu Valter, beijando-a.

Agarrou no cabelo de Célia e beijou com intensidade. A principio, Célia tentou afastar-se, mas, depois, correspondeu com a mesma intensidade. Agarrou, também no cabelo dele. Ele puxou-a para cima e ela rodeou com as pernas a sua cintura. Derrubaram tudo o que estava em cima da mesa para o chão. Começaram-se a despir com urgência. Valter ia descendo pela cintura de Célia, desabotoando um a um os botões da sua camisa. Até que retirou a sua calcinha e chegou ao centro de prazer de Célia. Fê-la gozar como nunca lhe tinham feito. Ela tentava conter os seus gemidos, sem sucesso. Até que ele parou. Levantou-se e levantou-a.

- Que estás a fazer? – Perguntou Célia, ainda ofegante.

- Acho melhor irmos com calma. Nunca saberemos, Joanne poderia nos ver, nos ouvir. É melhor pararmos.

- Tens razão. – Concordou Célia.



Marcos sabia que Célia estava com Valter. Tinha ciúmes disso, mas sabia que era o melhor para ela. Precisava saber como ia as coisas. Talvez no dia seguinte, telefonaria a João.

Era o seu dia de folga. Marcos telefonou, então, a João. Este não o atendeu. Não desistindo, decidiu ir ao hospital. Mas com que desculpa? Pensando melhor, esperou meia hora e ligou, novamente, para João.

- Estou? – Disse João.

- Estou? Então, estavas a dormir? – Respondeu Marcos.

- Não, estou no trabalho.

- Ah. Dá-me o contacto de Valter.

- Ah… Sabes, agora não é uma boa hora, deve estar a dormir, ou a fazer algo, ocupado… Eu depois ligo-me. Podes deixar-me o recado.

- Não. Dá-me o número do Valter agora. Não estou para brincadeiras, João!

João disse alguns impropérios.

- Dá-me o numero ou vou aí e arranco-te á força.

- E vens com que desculpa? Achas que consegues fazer-me o que quer que seja à força?

- O que é que foi, barriga flácida? Queres dar uma volta aos calabouços da polícia? – Disse Marcos.

- Ei, também não é preciso exagerar. Porque é que havia de ir aos calabouços da polícia? – Perguntou João, rindo-se de gozo.

- PORQUE ÉS PEDÓFILO E ESTÁS ENVOLVIDO NUM CASO DE DESAPARECIMENTO DE UMA MENOR!!!

- Poxa, fala mais baixo, eu ouvi-te. Está bem, eu dou-te o numero…

E deu o numero a Marcos. Este, assim que obteve o numero, desligou, com a promessa que ligaria se fosse o numero errado.

Para lá da visão, Capítulo 28






Valter contou tudo a Célia sobre João.

- Não? Como eu nunca soube!? Não... Eu o deixei algumas vezes com Joanne, como pode me ter enganado assim?

- Calma, nós vamos achar uma solução. - Disse Valter.

Joanne estava no quarto. João não estava. Célia chorava de desanimo. Valter se aproximou dela, segurou a face dela, colocou a sua face perto da dela e beijou-a. Para sua surpresa, Célia correspondeu. Os dois se envolveram, cada vez mais unidos, num beijo prolongado. Até que Célia parou.

- O João pode chegar a qualquer hora. - Disse Célia, respirando.

- E que isso interessa?

- A Joanne, Valter...

- Pois, sim. Temos de a proteger. Tens razão.

Mas, não aguentando a súbita distancia, Valter aproximou-se para dar mais um beijo. Nesse momento ouviram a chave a rodar na porta e afastaram-se.

Os dois encararam João enquanto ele entrava. Assustado, parou antes de fechar a porta e perguntou.

- O que foi?

- João, fecha a porta. - Disse Célia.

João fechou-a.

- Muito bem. Precisamos ter uma conversa.

- Sim...

- Que fizeste à Joanne?

- Eu? Estão loucos, eu não lhe fiz nada!

- João! Aqui o Valter me contou sobre o que fizeste aos quinze!

- Vocês também? Eu não fiz nada. A garota estava confusa...

- Espera aí, nós também? - Perguntou Valter. - O Marcos sabe?

- Como sabias que me fui encontrar com ele?

Valter revirou os olhos.

- Com quem mais te irias encontrar nestes dias? Mas vamos ao que interessa. que foi que ele te disse?

- Para voltar ao trabalho antes que seja suspeito, também...

- Acho bem. E faz o favor de não voltares a esta casa. eu trato da casa e Célia cuida da Joanne. - Disse Valter.

- Esta casa é dos meus pais, não dos teus...

- Queres que espalhe por aí o pedófilo que és?

- Não, já passei vergonha hoje. E não sou pedófilo.

- És, ponto final. És pedófilo da pior espécie. Do tipo que se aproveita das dificuldades das vitimas para atacar.

- Não...

- João, ele tem razão. - Interrompeu Célia. - Agora, faz-me o favor de sair. Eu não consigo olhar para a tua cara, nem sequer encarar-te. Saí.

- Tu não me mandas sair. Ou eu denuncio-te.

- E depois? A Joanne fala e quem sofre as consequências piores és tu. garanto-te que, comigo na cadeia, eu passo a palavra do que tu és e vingar-me-ei. Vá, denuncia.

João encolheu-se. Do alto dos seus 1,80 metros e 80 quilos, perante Célia estava mirrado. Célia aproveitou isso.

- Sai, agora!

Para lá da visão, Capítulo 27






- Conta lá o que se passa? - Pediu João.

- O que se passa é o seguinte. - Disse Marcos. 

E contou sobre tudo o que tinha descoberto sobre Célia, incluindo a conversa sobre o seu pai.

- Caraca... Eu não fazia ideia. - Disse João. - Mas talvez seja boa ideia deixa-la fora desta história. Ela já fez a sua parte, agora é a minha vez.

- De que é que estás a falar? A Célia é a única hipótese de a menina ser normal. - Respondeu Marcos.

- Mas, como ela está a ser investigada e isso assim... Eu estou a ser investigado?

- Não, ainda não. Mas era boa ideia voltares ao trabalho. Não tens lá um primo ou coisa assim?

- Sim, mas não é a mesma coisa. Sabes...

- Sei que tu a salvaste. - Começou Marcos. - Também sei da tua 'queda' por meninas pequenas desde os teus quinze anos...

- Mas como poderias saber uma coisa dessas? Não nos conhecíamos então, não há nada que o prove. - Respondeu João.

- Eu sou polícia, lembraste? Não existe nada selado para mim. Está lá, num relatório. Se não voltares ao trabalho rapidamente, vou ser obrigado a ir por outra linha de investigação. E você, como segurança e pedófilo...

- Não sou pedófilo!...

- É pedófilo sim.

Todos no café encararam eles. Estavam a falar demasiado alto. Um casal com uma criança pequena levantou-se, pagou e saiu do café 

- És pedófilo. Sabes que sim. - Disse Marcos.

- Eu gosto de garotas um pouco desenvolvidas, não crianças.

- Aos sete anos não são desenvolvidas. E a criança que molestaste tinha oito.

- Eu não molestei ninguém, ela estava confusa...

- Talvez. Mas o teu primo sabe a verdade, decerto. Se eu o encarar e falar sobre o relatório, que vai ele me dizer? Como vai Célia reagir?

João pensou por um pouco. Por fim, disse.

- Está bem, eu acabo com as férias e volto ao trabalho...

- Acho bem. - Disse Marcos.



Entretanto, na casa dos pais de João...

- Explica-me, Joanne. Que aconteceu com o João.

- Nada. - Respondeu Joanne, encolhida.

- Ele não está aqui, querida... - Disse Célia, tentando abraça-la.

Mas a menina afastou-se. Valter chamou-a à parte.

- Se ela tivesse mesmo sido violada, nós tínhamos dado conta. - Disse Valter.

- Sim, é verdade. Pouco tempo esteve com João. Talvez tenha sido molestada. Mas, pelo João? Não faz sentido. Ele salvou-a. No hospital não podia ser, estava a ser vigiada constantemente pelas enfermeiras...

- Célia, tenho de te contar algo. - Disse Valter.

Para lá da visão, Capítulo 26






- O que se passa? - Perguntou Célia para Joanne. - Quem te abriu a janela?

- Foi Sarita... - Respondeu Joanne. - Ela quer que eu fuja...

- Mas porquê? Quem te fez mal? Teus pais? O teu pai?

- Não...

- Então quem? 

Joanne ficou calada.

- Queres falar comigo em privado?

Joanne fez que sim com a cabeça. Chegou ao quarto, deitou-se, abraçada a Célia.

- É verdade que havia câmaras no hospital, que, às vezes, são desligadas? - Perguntou Joanne.

- Quem te disse isso? - Perguntou Célia.

- O João. - Respondeu Joanne, abraçando-se mais a Célia, que se deixou ficar fazendo cafuné na cabeça de Joanne. Uma pergunta ia na sua mente. Porque é que João teria dito uma coisa dessas?



No dia seguinte, Maria da Cruz estava a falar com um policial à porta da casa do padre José, a qual havia aberto. Marcos passou por perto. Ia de óculos escuros e com um novo corte de cabelo e uma roupa mais desportiva. Tinha pedido o carro emprestado a um colega, dizendo que só precisava dar uma volta. Não os conseguia ouvir, o que lhe causava alguma irritação. Farto, continuou em frente e foi até um café. Lá chegado, pediu uma água e, usando o telemóvel descartável, telefonou para João. João não atendeu, pelo que decidiu lhe mandar uma mensagem a avisar quem era, para lhe ligar. João ligou.

- Estou, cara? Mil perdões, não reconheci o número. - Disse João.

- É normal não reconheceres, é novo. Podemos nos encontrar? Tenho informações novas sobre Célia. Precisamos ajudar ela a desaparecer com Joanne. Ah, e outra. A empregada do padre já denunciou o seu desaparecimento.

- E daí? Não me podem ligar ao caso.

- Podem, se me apanharem e eu abrir a boca. Portanto, porta-te bem. Senão não vos poderei ajudar.

- 'Tá bom, então. Manda o local por mensagem que é para não me esquecer. Já vou ter contigo.

- Está bem, tchau.

Para lá da visão, Capítulo 25






Ao ir para onde o carro estava estacionado, viu o carro que tinha visto antes. Nessa altura teve a certeza. Estava a ser seguido.



Célia estava à conversa com Joanne, distraindo-a. Tentava que ela se interessasse por um livro que havia comprado na loja, mas ela parecia não ter interesse algum. Desanimada, virou-se para Válter.

- Não sei o que fazer… Ela só quer brincar com a boneca…

- Observa como ela brinca. Creio que algo nela não está bem…

De repente, Célia observou bem como ela brincava. Viu que ela fingia, com um boneco imaginário, que tinha relações sexuais. Mas não consentidas.

- Joanne… - Disse Célia.

Joanne parou imediatamente.

- Joanne, passou-se algo que me queiras dizer? – Perguntou Célia.

Joanne fez que não com a cabeça e foi para o quarto.

- Devo segui-la? – Perguntou Célia para João e Válter.

- Não, deixa-a um pouco sozinha. Depois, tenta aproximar-te dela e questioná-la… - Respondeu João, interrompido pelo som de uma janela a abrir-se com brusquidão.

- Ouviram isto? Joanne! – Gritou Célia, dirigindo-se, acompanhada, até ao quarto de Joanne.

Ela havia fugido pela janela. Célia saltou pela janela, seguida por Valter. João foi pela entrada. Célia correu bastante, conseguindo alcança-la. Com a ajuda de Valter e João levaram-na para dentro de casa, antes que algum vizinho viesse à porta. Já dentro de casa, Célia acalmou a chorona Joanne. O que se havia passado com ela? Como havia tido força para levantar aquela janela pesada?



Luís Sargento telefonou para o chefe da delegacia um.

- Sim, diga, meu caro Luís.

- Roberto, é o seguinte. Apareceu cá na esquadra uma mulher, uma tal de Maria da Cruz, empregada do padre José. Parece que ele desapareceu. Ela diz que reconheceu um dos teus policiais como visitante do padre no dia anterior ao seu suposto desaparecimento. Ou talvez já estivesse desaparecido, digo eu.

- Eu ouvi uma conversa estranha assim, uma mulher que vinha tentar fazer queixa pelo desaparecimento do padre. Mas parece-me que não foi aceite, por ser demasiado cedo. Porquê me estás a ligar?

- Porque a descrição que ela me deu corresponde ao teu detetive Marcos. E isto melhora: o meu policial de serviço na recepção telefonou para o Marcos enquanto estava no escritório com Maria da Cruz, a ouvir a história dela. Confirmei agora pelos registos de chamadas.

- Realmente é estranho… Eu, por acaso, coloquei um detetive privado a segui-lo. Amanhã chamo-o cá, agora é demasiado tarde. Até amanhã. Depois te conto se houver algo de estranho. Tchau. – Disse o chefe da delegacia um, Roberto.

- Tchau, até amanhã. – Disse Luís.



Marcos teve um pressentimento que, se o andavam a seguir, deviam também ter o registo das suas chamadas na mão. Parou numa loja de telemóveis, antes de seguir para a delegacia. Comprou um telemóvel descartável, dos mais baratos que havia. Comprou um cartão, também, e pagou tudo em dinheiro, deixando uma generosa gorjeta para a funcionária. A funcionária lhe entregou os artigos comprados, juntamente com um cartão da loja com um número escrito. Por cima dizia: liga-me. Marcos piscou o olho à funcionaria e sorriu. Ao chegar ao automóvel, amachucou o cartão e deitou-o ao chão. Depois reparou que a funcionaria havia ido até à porta e visto a cena, voltando para a loja. ‘Que se lixe.’, pensou. Na verdade, estava a ficar cada vez mais interessado na história de Célia…

Para lá da visão, Capítulo 24






Marcos estacionou o carro á porta da propriedade do pai de Célia. Dirigiu-se ao portão, onde toco à campainha.

- Segurança da mansão Abrantes. – Disse um segurança pelo intercetor.

- Sim, daqui é Marcos Afonso, detetive da delegacia número um. Precisava falar com o senhor Bernardo Abrantes.

- Tudo bem, vou abrir o portão. – Disse o segurança.

Conforme o portão abriu, o segurança foi ao encontro de Marcos, para o levar ao encontro do pai de Célia. Bateu na porta, que foi atendida por um mordomo. Deixou-o entrar, seguido de perto pelo segurança. O segurança bateu aporta do escritório, sendo recebido por uma secretária. Depois de explicar ao que vinha, deixou o Marcos entrar.

- Tudo bom? – Perguntou Bernardo Abrantes.

- Tudo ótimo. – Respondeu Marcos Afonso. – É assim, estou aqui por causa da sua filha.

- Sei. Que fez ela desta vez?

- Desta vez?

- Sim, que fez ela?

- Bem, estou eliminando suspeitos de um rapto de uma criança…

- Sei. Aquela que deu na televisão?

- Essa mesma. Ela foi sua enfermeira.

- Sim, e o que isso tem a ver? – Perguntou Bernardo.

- Bem, ela a foi visitar. Horas depois, a menina desapareceu. E depois encontra-mos o cartão de enfermeira dela no quintal dos avós de Joanne… - Respondeu Marcos.

- Sim, ela não é bem pra das ideias. Sempre com ideias de salvar o mundo. Veja lá, me trazia animais abandonados para cuidar. Vá lá que sempre dei um jeito de eles desaparecerem, definitivamente, se é que me entende. Mas não revele isso para ela. Ela pensa que eles estão em um lar melhor – e, de certa maneira, estão.

Marcos sentiu-se enojado com a conversa de Bernardo e fez questão de demonstrar esse sentimento.

- E me diga, que isso tem de mal? – Perguntou Marcos.

- Ué, eu sou um homem de boas relações. Mas sou conhecido por não ter escrúpulos no momento da negociação. Não podia ceder a um capricho de infância. Tinha de os fazer desaparecer. – Respondeu Bernardo.

- E só por isso acha sua filha tresloucada?

- Sim. E é muito, não lhe parece?

- Não. Parece-me que você é um homem sem escrúpulos mesmo, nojento, fanfarrão. Eu que descubra provas do que diz e o enfio, eu próprio, na cadeia. ‘Tá certo.

- Hahaha. Nunca vai é descobrir nada. Antes disso eu acabo com você, combinado? Passe bem, a porta da rua é serventia da casa.

Bernardo levantou o braço para se despedir de Marcos com um aperto de mãos, mas este virou as costas e não o aceitou. Agora compreendia o cuidado de Célia para com as outras pessoas. Ela era amor. O seu pai era bruto e, muito provavelmente, agressivo. Ela não demonstrava as suas mágoas, mas tinha-as. Nem sabia como tinha aceitado o agrado do pai para a ajudar a entrar no hospital. Era claro que não se sentia bem vivendo com o pai na mesma casa, por isso alugara uma casa distante, enquanto não ganhava dinheiro suficiente para comprar uma. Sentiu pena dela. Menina rica com um pai assim. Mas ela superara-se, agora sabia que tinha de ajudá-la seriamente, pois mais ninguém o faria, com exceção de João e o primo deste. Que será que eles estavam planeando?...

Para lá da visão, Capítulo 23






- Estou? - Disse Marcos.

- Estou, Marcos? É o David, da esquadra numero 2. Não devia estar a fazer isto, mas estou a ligar de um número da delegacia. Não tenho saldo. - Disse David, o policial da recepção.

- Diz, David.

- Acabou de entrar uma senhora que veio fazer uma queixa pelo desaparecimento do padre José. Ela deu a tua descrição como suspeito...

- Cara, e você aceita queixa?

- Quer dizer que você está envolvido?

- Claro que não! No entanto, fui visitar o padre no dia anterior ao seu desaparecimento. Ele estava bem, um pouco adoentado. Falou algo de ir visitar uns sobrinhos mais para o interior. Eu não disse isso a ela, me esqueci.

- Não se preocupa, não. Não existe motivo para preocupação, assim. A gente depois se fala, o meu superior e a mulher estão saindo do escritório. Tchau.

E desligou. Luís Sargento, tendo ouvido a ultima parte da conversa, perguntou ao David.

- Quem era que você estava falando?

- Ninguém não, chefe. Coisas pessoais.

- Ah, 'tá. - Disse Luís.

No entanto ele não ficou convencido. Depois de Maria da Cruz ter saído, foi falar com outro policial, a quem deu ordem para ir buscar os extratos telefônicos e respetivos números, do período que tinha estado à conversa com Maria da Cruz. Havia de descobrir com quem David havia falado...



Marcos encostou o automóvel, para pensar. O que se estava a passar? A sua vida podia estar prestes a sofrer uma reviravolta. Se descobrissem, se tivessem visto Marcos a remover o corpo do padre, estava feito. Olhou para as horas. Eram três. Não sabia que fazer. Nem tinha almoçado ainda, com essa correria. Iria comer algo e depois iria falar com o pai de Célia. Precisava saber se ele tinha algum conhecimento de um comportamento menos apropriado de Célia. Mais desviado para a loucura, quiçá...

Para lá da visão, Capítulo 22






Fez-se um silêncio. Marcos não compreendia.

- Como assim, chumbou? Que se passou para não a contratarem à primeira, mas mudarem de ideias à segunda vez?

- Na verdade, ela, na primeira, admitia que não gostava de vermelho. O sangue é vermelho. Mesmo que digam que não se importem de ver sangue, se alguém responde que não gosta de vermelho, é dispensado. – Disse o chefe de gabinete de enfermaria.

- Só por isso? Uma questão?

- Bem, não só. Algo nas questões… Bem, fez-nos desconfiar de problemas mentais.

- Então porque a contrataram à segunda?

- Porque passou com distinção e o seu pai ajuda muito este hospital.

- Então ela está aqui de favor?

- Não exatamente. Está aqui por mérito, que fez por ganhar. Demonstrou ser uma enfermeira exemplar. No entanto, se está de alguma forma envolvida no rapto dessa menina… Penso que a terei de dispensar.

- Nada é certo. Apenas estou a ver uma linha de investigação. Em principio ela está eliminada como suspeita. Mas quero ter a certeza dos factos.

- Com certeza. Estarei sempre à sua disposição. – Disse, por fim, o chefe de gabinete. – Agora, se me desculpa, tenho de voltar ao trabalho. Como deve entender, não estou sempre aqui.

- Com certeza, entendo perfeitamente. Não o empato mais. Grato pela ajuda.

O chefe de gabinete foi para as urgências ver se era necessário lá e Marcos saiu do hospital.



- Ai, senhora, nem imagina o que vi. – Disse uma vizinha do padre.

- Diga-me, o que viu? – Disse a empregada.

- Sabe, vi dois homens transportando um grande saco, pesado. Mas nunca os tinha visto. Também pode ser da minha visão. Sabe como é, já não é o que era…

- Oh meu Deus. O padre está desaparecido. Que faço?

- Porque não vai à polícia? – Perguntou a vizinha.

- Até ia, mas penso que um homem que disse que vinha visitar o padre trabalha lá. E se ele está envolvido no desaparecimento do padre?

- Ai, vá a outra esquadra.

- Tem razão, tenho de ganhar coragem. Vou.

- Isso mesmo.

A empregada despediu-se da vizinha e foi apanhar um autocarro até ao outro canto da cidade. Era lá que ficava a outra delegacia. Lá chegada, benzeu-se e entrou.

- Boa tarde… - Disse a empregada para o policia na recepção.

- Boa tarde, pois não. – Disse o policial.

- O meu nome é Maria da Cruz e vinha apresentar queixa pelo desaparecimento do padre José…

- Esse padre não é da paroquia do outro lado da cidade?

- Sim, mas, sabe, creio que há um polícia envolvido no desaparecimento dele…

- Como assim?

Maria da Cruz descreveu o facto da visita de Marcos e a sua constituição.

- Espere um pouco. – Disse o policial.

O polícia foi ter com o superior e encaminhou-a para lá.

- Boa tarde, o meu nome é Luís Sargento. Conte-me essa história…

- Com certeza. – Disse Maria da Cruz.

Enquanto Maria da Cruz e o superior falavam, o policial da recepção aproveitou estar sozinho e fez uma chamada…