sexta-feira, novembro 17, 2017

Ntinhina






Ntinhina era uma menina crioula de Guiné-Bissau. A sua mãe trabalhava no campo e a vender o fruto da sua horta durante horas. Mesmo assim não tinha o suficiente para ela e para os irmãos, tendo que mendigar. Ntinhina sabia da lei nova de prender os meninos que fossem apanhados a mendigar. Mas Ntinhina não tinha hipótese; era a sobrevivência dos seus irmãos que estava em causa. O seu pai havia partido para Portugal em busca de vida melhor para todos. Mas nunca mais tinha voltado ou mandado algo. A mãe tinha esperança que ele apenas se estivesse a estabilizar, mas Ntinhina sabia que ele os tinha abandonado. Não o queria dizer à mãe, simplesmente sabia-o.

 Sentou-se na beira de uma esquina e começou a pedir. Naquela rua movimentada só poucos davam esmola. A maior parte eram pobres, como ela. E os poucos ricos que passavam, ou assim pareciam, nada lhe davam. Pelo contrário, fingiam que não a viam. Alguns dos mais humildes davam-lhe uns trocos. Era pouco, mas ajudava. Ntinhina agradecia sempre. 'Deve-se agradecer a generosidade, sempre.', dizia a mãe. Ntinhina obedecia.

 Ntinhina estava distraída, nem deu por eles chegarem. Estavam dois polícias a aproximar-se dela. Quando se apercebeu, pegou nos trocos e levantou-se. Mas já era tarde. Eles já estavam ao pé dela.

- Que estás a fazer, rapariga? Que fazes?

- Sim, que fazes? A pedir esmola? - Disse o outro polícia.

 Ntinhina estava com medo. Os polícias levaram-na para uma carrinha onde estavam mais crianças.

 - Ntinhina, que fazes aqui? - Perguntou Busnassum, um amigo.

 - Fui apanhada... - respondeu Ntinhina.

- Também eu...

 Ntinhina e Busnassum tremiam de medo. Não sabiam para onde iam. Só queriam voltar para as suas mães.

- Todos prontos. - Disse o polícia que tinha apanhado Ntinhina. - Podem ir.

 'Ir!? Ir para onde?', pensou Ntinhina. Ela não queria ir para as ilhas. Como poderia escapar?

 Quando deu por si, estava a chegar ao porto. Estavam balsas à espera no porto. Ou assim pareciam. Saíram da carrinha, à ordem do polícia, e entraram dentro das diferentes balsas. Foi assim que Ntinhina e Busnassum se viram pela última vez. Ntinhina foi para a ilha de Bolama. Chegou lá, abandonaram-na de imediato, a ela e a mais duas crianças. Ela era a mais velha. Sozinhos, num sítio desconhecido. Ninguém se aproximou deles. Ninguém perguntou nada. Ntinhina ordenou aos dois rapazes que a seguissem, enquanto se orientava. Tinham fome e nada para comer. Nem lhe tinham deixado os trocos. Tinham-nos roubado. Ntinhina não entendia a língua que falavam. Não entendia nada. Mal sabia o que aconteceria. Abandonados, já estava a ficar tarde. Ntinhina tentava encontrar um sítio para dormirem, já que ninguém se parecia importar com eles. Encontrou um sítio perto da floresta. Deitaram e adormeceram de imediato, de tão cansados que estavam. Ntinhina apanhou algumas folhas de palma do chão e organizou-as, para fazer de cama. Acordou os meninos e deitou-os sobre as folhas, tal como fazia com seus irmãos. Eles eram a sua família, agora.



O dia veio e a fome e sede com ele. Os habitantes pareciam não ligar, mas uma mulher, com pena deles, chamou-os com gestos. Eles correram até ela.

- Água, água! - Pediram eles.

 A mulher pareceu entender eles e deu-lhes água. Pareciam que nunca tinham bebido nada melhor. Depois, deu-lhes alguns bivalves e cabeças de peixes. Ntinhina e os dois rapazes comeram tudo, derivado da fome que sentiam.

 Dias passaram, semanas até. Nada mudou naquela forma de viver. Cada vez apareciam mais crianças, a ilha parecia demasiado pequena para eles. Deixou de haver generosidade. Todos tinham de trabalhar por um pedaço de peixe em todo o dia. As brigas eram frequentes. Os roubos, o pão de cada dia.

 Até que um dia não trouxeram mais ninguém. E no outro. E outro dia igual. Ntinhina perguntou a uma pessoa da ilha que se passava.

 O governo caiu. Vão vos levar para vossa terra.

 Ntinhina agradeceu a informação. Mais que agradecida, estava extasiada. Finalmente ia voltar para Bissau. Ia ver seus irmãos, sua mãe. Tudo tinha um fim. Aquele era o seu…