Havia luz no céu. Milhares de luzes, não só provocadas pelas estrelas. As pessoas lançavam fogo-de artifício pelo céu. Camila observava-os, com bastante atenção.
- Que lindo, não é, amor? - Perguntou Camila para Bela.
- Sim, querida, é lindo.
Abraçaram-se. Naquela noite, nada ia ser escuro. Iriam passa-la a ver as luzes. Era tudo tão estranho desde que Camila e Bela tinham sido expulsas de casa. E tudo por um amor diferente. Eram amigas de infância, conheciam-se bem. Nada tinha sido por acaso. Desde novas sabiam que eram diferentes, contavam tudo uma à outra. Mas foi um escândalo quando contaram a família, pior quando souberam que eram as duas amigas e namoradas. Os seus pais não tiveram duvidas quanto a expulsá-las de casa.
De repente, viram-se na rua, sem ninguém para as ajudar para sair dessa realidade. Os primeiros tempos custaram, mas, a pouco e pouco, habituaram-se. Não tinham escolha. O que vale é que ainda era verão. Depois, no inverno, logo se veria...
Levantaram-se e foram andar, sem saber onde iam dormir nessa noite. A noite estava fresca, o tempo começava a mudar. Mas tinham de aguentar, não tinham saída.
A principio, parecia-lhes estranho ter de pedir esmola. Mas, depois, tiveram que se habituar. Roubar é que não, isso nunca. Podiam ser sem-abrigo, mas tinham a sua dignidade. Outros já lhe tinham dito para ir aos escritórios da revista Cais, mas elas tinham muita vergonha, diziam que não se encontravam em condições. Tinham vergonha, simplesmente. Vergonha do que eram. Todos os amigos as tinham abandonado. Ainda só tinham 16 anos, pelo que não podiam encontrar trabalho. E, possivelmente, também a Cais não as ajudaria.
Ninguém perguntara por elas, elas sabiam. Se o fizessem, já tinham sido encontradas. Mas não, ninguém queria saber delas. Tinham ido para Lisboa para se afastarem de tudo e de todos. Ninguém ligava, mesmo.
Com dezasseis anos acredita-se que tudo é possível. E, para elas, era possível viver o seu amor. Mesmo com dificuldades. Voltar a casa não era opção; sabiam bem o que lhes esperava.
Só lhes restava andar... E guardar esperança.
Uma noite, enquanto caminhavam de mãos dadas por uma rua escura, apaixonadas e sem senso comum, foram atacadas. Fizeram-lhes de tudo... Enquanto sangravam naquele chão duro, olhavam-se e perguntavam-se se alguém sentiria falta delas...
Aparentemente, alguém tinha dado por falta delas. Depois de terem sido atacadas, tiveram de dar entrada no hospital, onde verificaram que as duas estavam dadas como desaparecidas. Quando os seus familiares se viram a sós com elas, no hospital, não pareciam tão animados quanto isso.
- Isso de tu desapareceres para Lisboa. - Disse o pai de Camila para ela, observando se alguém ouvia. - Foi a melhor coisa que fizeste. Mas tinha que dar merda, tu tinhas de te magoar. Agora não há volta a dar. Vais voltar para casa. E nada de conversas de namoros. Ali a Bela também vai para casa. Para casa dos avós, longe da nossa terra. E a conversa acabou aqui.
- Mas... - Tentou dizer Camila.
- Mas nada. Acabou.
Camila sentiu-se desesperar. Como estaria Bela? Estava num quarto diferente do seu. Mas não as deixavam levantar-se, para se verem uma à outra. Ainda tinham as feridas recentes do ataque às duas.
Como aquilo se tinha passado? Mais tarde, haviam os pais por confessar, tinham dado conta do seu desaparecimento pressionados pelos outros habitantes da terra deles. Fartos da 'perseguição', acabaram por ir a GNR.
- E tudo por tua culpa e daquela desvairada da Bela. Falta de atenção, é o que vocês têm. - Disse-lhe o pai.
Camila só chorava, depois das visitas dos pais. Mas sempre às escondidas. Nunca as enfermeiras se deram conta.
No dia da saída do hospital, Camila e Bela viram-se à distância. Mal conseguiram dizer adeus, já os pais delas as enfiavam nos carros.
E como seguiria a história a seguir daqui? Camila e Bela sentiam-se mais sem rumo do que antes, quando estavam juntas na rua. Terminaria o amor aqui?
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