quinta-feira, maio 18, 2017

Tragédia no Verão

Quando me levantei, estava tudo acabado. Bastou um gesto meu para ele o perceber. Sim, é verdade. Tinha-o torturado com mensagens atrás de mensagens. Tinha quase a certeza que ele me traía. E agora, a confirmação. Nem foi preciso dizer mais nada, levantei-me e saí. Era o fim. Diogo bem podia gritar que estava arrependido, que me queria de volta. No entanto, isso não aconteceria. Continuei a andar, como se nada fosse. Já era de noite quando chegara a casa. Nem me lembrava por onde tinha ido, para demorar tanto. No entanto, ele seguira-me sempre, não o conseguira cansar ou, sequer, despistar. Estava rouco, de tanto gritar. E o telemóvel não parara de tocar. Devia ser ela. Ele tinha me confessado que lhe tinha contado que ia me dizer a verdade sobre eles. Só eu não o sabia, aparentemente. Todos os amigos o sabiam e se riam nas minhas costas. Cobardes, é o que eles eram. Cansada de Diogo, parei para falar com ele. - Olha, eu não quero falar contigo. Acabou, entendes? - Desculpa... Mas eu amo-te, não quero que vás. - Essa decisão tomaste-a tu quando me decidiste trair. E vê se ligas a tua amiga, ela deve estar farta de ligar. - Como sabes que é ela? - Desconfiei. Para te ligar tanto. Tu não és de confiança nem nunca serás. Temos de ter sempre um olho em ti para ver se não nos trais. Com certeza prometeste-lhe namoro, senão não ligava tanto. - Como sabes tanto? Com quem andaste a falar? - Simplesmente contigo. E basta-me. Adeus, Diogo. Acabou tudo. Não restou nem uma amizade. Vai e aproveita a vida. - Não podes ir assim... - Mas vou. Mas vou! Porque aqui não há mais nada. - Disse, pondo a mão no coração. - Aqui acabou tudo. - Desculpa-me. Perdoa-me... - Não, Diogo, isso não o farei. Desculpa, mas tenho de ir. Deixei-o só, chorando. A mim também me apetecia chorar, mas não o fiz. Com as forças que me restaram, fiz-me forte e entrei em casa. Fechei a porta na cara dele. Assim que o fiz, caí prostrada no chão, encostada à porta. Senti que ele fez o mesmo. Não, não ia espreitar pela janela para ter a certeza. Levantei-me e fui pôr um pouco de música, para me distrair. Cantarolando, fui à cozinha e lavei as mãos. Era hora de fazer o jantar. Nem sabia o que fazer. Não tinha fome alguma. No entanto, não me deixei levar pela tristeza. Ia cozinhar, sim. Nem que fosse uns ovos mexidos. Perfeito, era isso mesmo. Fui buscar uns dois ovos e pus mãos ao trabalho. Após o jantar, levantei-me e fui espreitar pela janela. Menos mal, ele já não estava lá. Parecia-me ter ouvido ele a falar ao telemóvel, próximo da porta. E, depois, nada. Tinha partido. Finalmente, já não aturava mais Diogo. Parecia que todas as minhas inseguranças tinham partido. Estava livre, enfim. Livre de medos e pesadelos. Não me apetecia fazer mais nada, por isso fui dormir. Lavei os dentes, mudei para pijama e deitei-me, depois de passar um creme pela cara. Tentei conciliar o sono com musica, mas não estava a dar resultado. Por isso, retirei os auscultadores e desliguei a musica. Tentei não pensar nele e simplesmente dormir. Não conseguia. Parecia que todas as minhas inseguranças me atacavam agora. Onde estaria ele? Estaria rindo da minha cara? Teria aquele 'espetáculo' sido só um teatro da parte dele? Não, não podia continuar assim. Liguei novamente a musica e pus os fones nos ouvidos, para me distrair. Acordei na manhã seguida com uma horrível dor de cabeça. Aparentemente a musica resultara, com efeitos nefastos. Eram nove da manhã. Ainda bem que era sábado, senão estaria atrasada para o trabalho. Levantei-me, como todas as manhãs, com a diferença de sentir um vazio no meu coração. Fui tomar banho e arranjar-me, para, de seguida, tomar o pequeno-almoço. Depois de o ter feito, tomei dois comprimidos de benuron de 500ml com um copo de água. A dor de cabeça estava a matar-me, parecia que tinha bebido vodka até cair. Mas não, tinha sido apenas a musica. Apenas a musica a dar-me cabo da cabeça. Hoje não me apetecia sair. No entanto, iria fazê-lo. Não me iria prender à casa, chorando por um vazio que nunca devia ter sido preenchido. Chorando por quem não merecia... Com a dor de cabeça mal conseguia levantar a cabeça e olhar ao sol. Por isso não vi quando o carro apareceu. Quando ele chegou. Apenas pude sentir a dor. A dor de alguém me atropelando, propositadamente. Ninguém na rua fez nada, enquanto ele me levantava e me levava para o carro. Ouvi ele gritar que ia me levar a um hospital, tinha me atropelado sem querer. Eu tentei falar, sem sucesso. Mal me conseguia mover. E tinha tantas dores. Via sangue a escorrer pelas minhas pernas abaixo. Pouco conseguia ver, pois só me apetecia adormecer. - Não durmas! - Disse Diogo. - Tenho planos para ti... - Leva-me ao hospital... - Disse eu, com voz fraca. - Hã, o que é que disseste? Não interessa. O que importa é que te tenho aqui comigo. E nunca serás de mais ninguém. Nesse momento senti medo. O que é que ele queria dizer com isso? O que é que ele me iria fazer? Mas não conseguia fazer nada. Ouvi alguém bater no carro com força, tentando me ajudar. Mas eu não conseguia mover as pernas, estavam partidas. - Abre esta porta! - Disse alguém. - Abre ou chamo a polícia! Alguém me tentava ajudar. Diogo, sentindo-se encurralado pelas pessoas que se começavam a amontoar, parou o carro e abriu as portas. De imediato me tiraram de lá e puxaram Diogo para fora do carro pelo colarinho. - Como está? Consegue falar? Já chamei a ambulância, ela vem a caminho. - Ouvi uma senhora a dizer. Do outro lado, não muito longe, ouvi um homem jovem a gritar com Diogo. - ... Tu vais pagá-las, seu filho da mãe. Atropelas uma pessoa e ainda a tentas raptar!? Mas qual hospital qual quê! Tu vinhas é fazer-lhe mal... Não consegui ouvir mais, pois penso que desmaiei. Acordei estava no hospital. Vi um medico a observar-me atentamente, até que falou comigo. - Bom dia, Caetana. Eu sou o Dr. Magno. Está no hospital de St. Maria. Sente-se bem? - Sim... que dia é hoje? - Perguntei, suspeitando que tinha passado mais tempo a dormir que o normal. - Hoje é dia vinte e três de junho. Passou três dias em coma. Estou a verificar se está tudo bem consigo. Não se tente levantar. Uma das suas pernas está engessada. Partiu um osso, mas estamos a recuperá-lo. Não pode fazer esforço algum. - Obrigada, Dr. Magno. Acho que quero descansar... - Muito bem, vou deixa-la só. Daqui a uma hora uma enfermeira voltará para ver se está acordada e dar-lhe o pequeno-almoço. A nível facial nada se passou. Foi só mesmo as pernas; e teve muita sorte. - Obrigada... - Disse, adormecendo. Desse dia lembro pouco, tal como nos dias seguintes. Sei que me estavam a seguir atentamente. Mas, a maior parte do tempo, dormia. Meses se passaram, sem grandes mudanças. A única diferença foi a polícia vir visitar-me quando me conseguia manter mais tempo acordada, para tirarem o meu depoimento em relação ao que se passara no dia do acidente. Contei tudo, desde a descoberta da traição, passando pelo relacionamento meio obsessivo da minha parte, até ao acidente. As palavras que ele me disse... Ainda estavam gravadas na minha mente. Tirando isso, não tinha grandes vistas. Acho que ninguém avisou a minha família. Eu também não conseguia lembrar-me do numero deles, nem tinha o telemóvel comigo. Tinha ficado destruído no acidente. Paciência, também não me procuravam, se não já me tinham encontrado. Um processo decorria em tribunal, por causa do acidente, e precisavam do meu testemunho, para acabar com a defesa de Diogo de vez, segundo me diziam. No entanto, não podia sair do hospital, ainda. Tinham de gravar o meu testemunho para memoria futura. E assim o fizeram. Fui quase massacrada pela advogada de defesa, que dizia que tudo era culpa da minha obsessão por Diogo, enquanto namorávamos. Ele não conseguiu aguentar o meu silêncio e tentou me raptar. Porque o objetivo não era matar-me. Nunca o fora, dissera ela. Ele só me queria pregar um susto, para voltar para ele. Parabéns, disse eu. Conseguiu assustar uma rua inteira. Nesse ponto, a advogada calou-se e não me disse mais nada. Terminaram o interrogatório e deixaram-me descansar. Já não suportava mais aquele processo. Porque é que ele não se matava, se sentia assim tanto a minha falta a ponto de me magoar? Nem sabia eu, mas isso estava prestes a acontecer. No dia em que leram a sentença, ele enforcou-se numa cela. Dizia, numa carta, que não conseguia aguentar a minha falta, ainda para mais numa sociedade que discriminava tanto os criminosos. A mim restou-me saber da sua carta. Não podia fazer nada por ele, nunca pudera. Apenas podia fazer por mim, recuperando-me. E aqui continuo no hospital...

Sem comentários: