quinta-feira, maio 18, 2017

Catarina

Enquanto esperava que o temporal passasse, Catarina ia bebendo uma chávena de chá quente. Que pena ela não ter lareira em casa, o primeiro piso de um prédio não o permitia. Mas, enfim, o aquecedor desenrascava. No entanto, tinha de o desligar. Odiava as contas da luz, no inverno. E odiava mais ainda que o seu noivo se demorasse no café. Tinha saído do trabalho há quase quatro horas. Desde quatro horas que o esperava. Só não ia ver dele porque não tinha carro. Ele tinha-o levado. Sempre a mesma coisa, a mesma história. Estava tão farta. Só estava com ele por estar grávida. Desconfiava que ele também. Suspeitava, também, que ele andava a traí-la. Não era de estranhar, derivado das saídas até tarde e constantes mensagens para uma tal de Paula. Apenas tinha-as apanhado uma vez, o suficiente para ficar com a pulga atrás da orelha. Bem, Catarina não queria pensar mais nisso. Estava farta de esperar. Estava na hora de fazer o jantar. Antes de engravidar, mal sabia cozinhar. E também pouco o fazia. Agora, querendo ser melhor mãe do mundo, lia as receitas e deliciava-se em fazê-las. Hoje ia ser caldeirada. Nada de muito confuso. Comprara um conjunto de peixe embalado já pronto para pôr ao lume. Só esperava que ele não chegasse demasiado bêbado para jantar. Se é que não chegasse com ela já deitada, obrigando-a a levantar para lhe dar o jantar. Chato naqueles momentos, odiava isso. Mais calma, tentou lhe ligar para saber quando chegava e onde estava. Nada, não atendia. Era impossível viver assim, sempre na duvida. Ela, mais do que nunca, queria sair daquela situação. Mas não podia, pela bebé. Sim, era uma menina. Ia lhe pôr o nome de Bruna. Ele não gostava, chegaram a discutir forte e feio por causa disso. Ele queria que tivesse o nome da mãe dele: Maria. Ela nem morta lhe poria esse nome. Disse Bruna e pronto. Não havia mais nada a discutir. Ele, chateado, havia saído de casa. Quando voltara, nesse dia, não lhe falara mais. Passados uns dias voltara-lhe a falar, mas não discutiram mais o nome da criança. Estava decidido, segundo Catarina. Mas não voltara a puxar o assunto. Já passava da meia noite quando ele chegou. Deu por ele pois fazia um barulho desgraçado. Parecia que não via as coisas. Como hábito, Catarina levantou-se para lhe ir aquecer o jantar. Nem ligava mais aos objetos que atirava ao chão com a sua locomoção desajeitada. Depois limparia a casa e apanharia os cacos, outra vez. Oxalá ele pisasse algum e ficasse calmo por uns dias. Se bem que, tê-lo por casa era sempre enervante. E, nesse estado, deveria ser impossível. Não poder fazer nada e querer ir ao café... Não, ia já apanhar os cacos. Passou por ele sem lhe dizer nada. - Então amor, não me dizes nada. - Que queres que eu diga? Estás bêbado, como sempre. Telefonei-te e não atendeste. - Desculpa, amor, não ouvi. Tens o jantar pronto? - É claro que tenho. À horas! Mas tu não apareceste. Está a aquecer no micro-ondas neste momento. - Desculpa, amorzinho. Juro que vou mudar. - É bom que mudes. Estou a ficar farta. - Não fiques assim, querida. Eu mudo, juro-te. - Vai mas é comer, que já não posso ouvir-te dizer disparates. - Está bem, querida. Catarina continuou a limpar os cacos, enquanto ele ia buscar o prato com a comida ao micro-ondas. Subitamente, ouviu o prato a estalar-se no chão. Não, ela é que devia ter ido buscar o comer. Mais uma vez, havia partido algo. Catarina, com os cacos na mão, foi ver o que se passava. Ele tinha caído ao chão. Irritada, nem pensou duas vezes. Deixou cair ao chão uns cacos, menos um, grande e grosso. Com esse, começou a atirar ao noivo. Ele, sem reação por causa da bebida, mal teve como defender-se. Cortou-lhe a jugular do pescoço com uma intensa força, vinda das profundezas da sua raiva. Ele levou a mão ao pescoço e disse: - Porquê me fizeste isso? E, pouco depois, perdeu os sentidos. Não, será que estaria morto? Ela não sabia. Catarina, agora confusa com o que tinha feito, deixou cair o ultimo caco. Que seria dela e da bebé? Tinha de fazer algo. Chamou uma ambulância e afirmou que ele se tentara matar. A polícia, ao ver sangue nas suas mãos, não acreditou. Levaram-na e detiveram-na, até que ela confessou. Fingindo-se de louca, conseguiu evitar ir para a prisão, a principio. Sabendo que a bebé poderia ser dada para adoção, fez com que a guarda futura fosse para a sua mãe. Agora seria esperar até ao nascimento. O noivo de Catarina nunca chegou a recuperar dos ferimentos, morrendo já no hospital. Por isso ela iria ser julgada de homicídio voluntário. 'Mas como é que eles adivinharam que eu o matei durante uma fraqueza dele?', pensou Catarina. Isso nunca iria descobrir.

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